“A transformação digital no setor agroalimentar não é uma opção, é uma necessidade; não é o futuro, é o agora”. Com esta frase, Luis Planas, ministro de Agricultura, Pesca e Alimentação do Governo de Espanha, abriu a sua apresentação durante o Fórum para a Promoção da Transformação Digital no Setor Agroalimentar (Datagri), que teve lugar em Lérida (Catalunha, Espanha).
Agentes públicos e privados que atuam para a transformação digital do setor, apresentaram projetos centrados na transformação digital para uma produção mais sustentável, não deixando de reforçar que o processo deve ser inclusivo e que todos os stakeholders devem ser envolvidos.
O modelo “social e profissional“de agricultura deve ser a base do desenvolvimento, destaca Miguel Padilla, secretário-geral da COAG e porta-voz da comissão organizadora do fórum. Para Padilla, a transformação digital é uma”ferramenta“necessária para enfrentar a “mudança”, mas ela deve ser”inclusiva“para que todos os tipos de explorações agrícolas possam colher benefícios ”na igualdade de oportunidades”. A COAG - Coordenadora de Organizações de Agricultores e Pecuários é a primeira organização agrária profissional de âmbito estatal que se constituiu em Espanha, em 1977. É uma organização plural, independente e exigente, representativa em todas as Comunidades Autónomas. Defende os interesses do modelo social e profissional da agricultura, maioritariamente em Espanha, e presta serviços a mais de 150.000 agricultores e pecuários.
As apresentações iniciais do Fórum encerraram com uma entrevista a Isabel Bombal Díaz, diretora geral de Desenvolvimento Rural, Inovação e Capacitação Agroalimentar, que falou sobre a Estratégia de Digitalização do Setor Agroalimentar e Florestal e do Meio Rural de Espanha. Este documento estratégico, que faz parte do programa do ministério da Agricultura espanhol, tem como objetivo apoiar e promover a transformação digital para a criação de condições de vida e de trabalho atrativas nas áreas rurais, que contribuam para o posicionamento ativo e estável da Espanha rural e promovendo a liderança de um setor agroalimentar competitivo, sustentável e gerador de riquezas.
No evento, tiveram lugar duas mesas-redondas sobre a digitalização na rede agroalimentar e sobre o impacto da digitalização nos modelos de negócios agroalimentares. Nelas, foram analisados uma dezena de casos de sucesso nacionais e internacionais dos setores público e privado.
A PepsiCo abriu a primeira mesa-redonda do Fórum Datagri 2021. Christian Cerezo, Indirects Associate Analyst of Agro Digitalization, apresentou a empresa como uma “empresa do Agronegócio” e que tem 6 de suas principais matérias-primas com base na agricultura. Christian apresentou o iCrop, uma plataforma de big data lançada há quatro anos e que recolhe dados de todo o processo de produção de batata utilizada nos seus produtos. A tecnologia tem sido utilizada com os agricultores com o objetivo de capturar dados em 48.000 hectares de produção de batata em 16 mercados na Europa. O rastreio é feito através de mais de um milhão de pontos de dados de cultura que, compartilhados com os agricultores, podem ajudá-los a entender mais sobre o desempenho da cultura e a correlação entre tipo de solo, clima, irrigação e uso de água. A PepsiCo começou a usar o iCrop 2.0 em Espanha e testou a sua combinação com a tecnologia de programação de irrigação, o que levou a uma melhoria na precisão da irrigação de água de 48% em 2017, antes da implantação, para 92% na safra seguinte.
Este acompanhamento da batata desde o cultivo até ao produto final permite minimizar perdas e otimizar processos, reduzindo as perdas inerentes ao fabrico dos seus alimentos a partir da referida matéria-prima. A Vall Companys apresentou um plano estratégico de sustentabilidade e detalhou o funcionamento da ferramenta Vall Smart Farm, uma aplicação móvel que permite aos seus produtores integrados ter acesso instantâneo a dados e informações de caráter ambiental e de consumo das fazendas, com os quais podem detetar anomalias ou tendências que afetam a produção animal.
A construção de uma comunidade digital do conhecimento e a colaboração entre todos os atores da cadeia foram os pontos chave abordados durante a apresentação de Alejandro Blaas, Diretor da Plataforma TIERRA de Cajamar. TIERRA é um ecossistema aberto de conhecimento que promove a cooperação e a inovação e busca a sustentabilidade nos elos da cadeia de valor agroalimentar. Nesta mesma direção seguiu Gabriel Anzaldi, Diretor de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Eurecat, ao reforçar a importância da “transferência de conhecimento” e que é importante “experimentar, testar e apostar”. Para Gabriel a tecnologia não oferece soluções se estiver isolada e precisa de pessoas envolvidas em todo o processo.
Ramón Armengol, presidente da Cogeca, também esteve presente na sessão de abertura do Fórum Datagri. A Cogeca (Confederação Geral das Cooperativas Agropecuárias) representa os interesses das cooperativas agroalimentares, florestais e de pesca europeias entre as instituições da UE e outras organizações sócio-económicas que contribuem para a tomada de decisões na Europa. Um dos seus objetivos principais é fortalecer a rede de cooperativas agrícolas europeias e promover uma cooperação empresarial.
Ramón garantiu que as cooperativas estão a esforçar-se para apresentarem soluções inovadoras para a criação de valor agregado que beneficie os produtores rurais, a sociedade, o meio ambiente e os consumidores. Indicou que o objetivo do setor cooperativo é conseguir transferir essa tecnologia para o campo e que ela chegue ao dia a dia dos produtores.
O presidente ainda reforçou o compromisso das cooperativas com a sustentabilidade ao destacar que “não importa o que seja feito, que deverá ser feito com sustentabilidade”. Indicou também que as cooperativas estão a “perder a batalha na comunicação” e que têm dado espaço para que outras instituições tenham maior notoriedade, em temas que deveriam ser tratados pelas cooperativas, e reforçou a importância de uma estratégia de comunicação.
A utilização de sensores na agricultura é essencial para geração de dados que, quando analisados, geram informações que auxiliam em tomadas de decisão mais precisas. Decisões tomadas a partir de dados reais e precisos garantem usos mais sustentáveis de água, do solo e de outros insumos importantes na produção agrícola. A importância deste conceito foi apresentada por Ernest Mas, Diretor Técnico da Verdcamp Fruits, uma empresa familiar de frutas e vegetais que “produz alimentos saudáveis de uma forma muito sustentável com uma visão holística e circular”.
A multinacional americana Cargill, através de François-Xavier Moquet, Diretor de Digitalização e Agricultura Regenerativa, expôs a sua plataforma digital - já implantada no país norte-americano -, que utiliza análise de solo com dados de campo e observação por satélite, para otimizar e obter mais benefícios das práticas agrícolas.
Não há dúvidas da importância da digitalização do setor, mas “ela ainda deve ter uma etapa analógica”, defende Juan Plasencia, Diretor Agronómico da CrowdFarming.
A digitalização deve ser algo próximo do produtor, que fale com o agricultor “um a um”, que analise as suas necessidades específicas e dê respostas aos seus problemas. A CrowdFarming é uma “solução para agricultores criada por agricultores”, uma empresa que oferece suporte individual aos produtores, na criação de canais de vendas diretos ao consumidor.
O ISFA é uma empresa dedicada ao desenvolvimento, investimento e gestão de projetos agrícolas eficientes e sustentáveis. Com foco na produção de amêndoas, deseja ser líder na produção deste produto num sistema de cultivo SES (eficiente e sustentável). Para atingir o objetivo, Miguel Ángel López Peña, reforça a necessidade de integração das ferramentas digitais existentes. Essa integração deve resultar em algo que “todos possam entender, e não somente engenheiros” de forma a garantir uma utilização correta das informações e otimização de recursos, que garantam maiores níveis de sustentabilidade.
No debate sobre ‘Modelos e estratégias de transformação digital a nível Internacional’, especialistas em ecossistemas digitais dos Estados Unidos, União Europeia, China e América Latina tentaram desvendar as ameaças e oportunidades geradas pela gestão e controlo de dados na economia global.
A privacidade e a utilização conjunta dos dados pelos diversos setores da cadeia agroalimentar foram pontos comuns entre os discursos dos apresentadores. Para Philippe Cases, Co-Fundador e CEO da Topio Networks, a utilização de dados da internet continua a ser um grande impasse na transformação digital do setor agroalimentar nos EUA.
Phillipe ainda ressaltou que os EUA enfrentam dificuldades por serem uma federação que não age em conjunto, de forma que cada estado tem níveis diferentes de transformação e integração digital.
Na visão de Claudio Feijóo, Diretor para Ásia na Universidad Politécnica de Madrid, o modelo chinês de transformação digital ainda tem bases na escola militar e nem sempre é introduzido de forma igualitária. Mas existe um plano consistente de transformação digital no país.
Kevin Doolin, Diretor Executivo da Walton Institute for Information and Communication Systems Science, destaca a questão da privacidade e da utilização dos dados digitais também na União Europeia. No entanto, reforça que a legislação está bastante avançada nesta questão. Kevin acredita que a legislação deverá emergir consoante o surgimento de novos tipos de plataformas e interações digitais, e que é necessário mostrar o valor da transformação digital quando aplicada aos diversos setores.
O presidente da Generalitat da Catalunha, Pere Aragonès, encerrou o Fórum num ato em que assegurou que é “evidente“que estes são”tempos“de transformação digital que atingem as formas como”produzimos, distribuímos e consumimos“e que”coloca desafios na mesa, mas também novas oportunidades”.
Aragonès observou que, além disso, esses processos se aceleraram muito com a pandemia Covid-19. Para ele, essas mudanças vão afetar “toda a cadeia de valor“e vão proporcionar”maior prosperidade”, mas têm que ser “compartilhadas“e permitir avançar para uma economia baseada em empregos de maior qualidade e que”gerem oportunidades para todos os territórios, tanto urbanos como rurais ”.
Neste contexto, há uma grande preocupação em investir em ferramentas e tecnologia e o capital humano não tem sido negligenciado e tem sido integrado em todo processo. A transformação digital deve agregar valor ao agricultor para que ele se sinta parte do processo e contribua com a evolução das ferramentas aplicadas à prática do campo. A tecnologia deve chegar ao campo, a transformação tem que ocorrer, e por essa razão ninguém deve ser posto de lado ou deixado para trás. Esse importante ponto faz parte dos projetos apresentados que colocam sempre a formação do agricultor como um ponto crucial para o sucesso das ações.
Finalizando, nota-se que as palavras de ordem entre todos os projetos apresentados foram a sustentabilidade e a atribuic¸a~o de uma releva^ncia chave para o setor da ciberseguranc¸a, integrac¸a~o de sistemas e Internet das Coisas (IoT). A transformação digital é vista como elemento essencial para alcançar os níveis necessários de sustentabilidade na produção agrícola, através de uma gestão de recursos otimizada e melhores tomadas de decisão. No entanto, todo este processo deve ser colaborativo e, nas palavras do ministro de Agricultura, Pesca e Alimentação do Governo de Espanha, Luis Planas, “não podemos ter rentabilidade sem sustentabilidade”.
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