BA21 - Agriterra

53 LEGUMINOSAS Marta Vasconcelos, investigadora do Centro de Biotecnologia e Química Fina (CBQF/ESB/UCP) e coordenadora do projeto em Portugal, revelou à Agriterra que o programa trabalha especificamente com quatro leguminosas: feijão, lentilha, grão-de-bico e tremoço, sendo que “o grande objetivo é promover e dinamizar os recursos genéticos das leguminosas que estão retidos nos bancos de sementes, nos bancos de germoplasma vegetal e trazer essa enorme biodiversidade para os campos e para os utilizadores”. Isto é importante porque “estamos a assistir a uma enorme erosão genética do nosso património das culturas vegetais”. A investigadora explica que os programas de melhoramento que foram feitos nos últimos anos foram sendo direcionados para uma melhor produtividade, para determinados traços tecnológicos ou anatómicos que alimentam um sistema altamente mecanizado e muito uniforme. Acontece que isso tem uma consequência: a perda das variedades mais atípicas. Sempre que se aposta em poucas variedades, ou, por outras palavras, no afunilamento, criam-se vulnerabilidades. Como aponta a investigadora, se, por exemplo, aparece uma praga para a qual aquela variedade tem sensibilidade, esse é um cenário bastante perigoso para a agricultura. Razão pela qual “é muito importante que se mantenha a biodiversidade das variedades”. Este projeto tem a particularidade de se basear na ciência cidadã, ou seja, os cidadãos participam na experiência, ao cultivar as leguminosas e partilhar os resultados. Uma participação que, explica Marta Vasconcelos, colmata dois objetivos: por um lado cria consciencialização para este cenário. Por outro faz com que se crie interesse em fazer crescer variedades mais antigas, mais tradicionais. Como funciona? Simples. Basta inscrever-se no site do programa e depois é só seguir as indicações. Há inclusive uma aplicação que reúne toda a informação e onde o cidadão cientista pode não só obtê-la (incluindo tutoriais em vídeo e em várias línguas), como até publicar os dados sobre a sua “experiência”. Isto porque toda a experiência tem de ser documentada. Desde a receção das sementes até às várias fases de crescimento. O mais interessante, revela Marta Vasconcelos, é que as escolas também aderiram a esta iniciativa. Aliás, há cerca de 40 escolas que já receberam os feijões. A investigadora menciona, inclusive, uma escola em Famalicão, que até já ganhou o prémio de melhor vídeo, a nível europeu, pela sua iniciativa com os feijões. O programa vai permitir aos investigadores recolher imensos dados sobre a adaptabilidade das leguminosas para diferentes condições edafoclimáticas. “Que é uma condição essencial para se poder fazer crescer leguminosas com sucesso”, explica a investigadora, adiantando que os dados vão, também, permitir perceber se é possível mudar, um pouco, o paradoxo atual e “manter viva a biodiversidade, não só nestes bancos de germoplasma, mas na casa de todos nós”. Por outro lado, os dados recolhidos vão, igualmente, permitir caraterizar nutricionalmente, em termos de proteína, fibra, aminoácidos e minerais, para que se possa perceber quão frágil ou resiliente é a nutrição das leguminosas face às alterações climáticas. A investigadora lembra que estamos numa altura em que a agricultura lida com dois desafios extremamente importantes. Por um lado, a população mundial não pára de crescer, e a uma velocidade que nunca se tinha visto. por outro, o terreno arável está a diminuir. Por isso, “tudo o que permita que a agricultura aumente a sua produtividade, a nível das culturas, com a gestão da água, que também é cada vez Marta Vasconcelos, investigadora do Centro de Biotecnologia e Química Fina (CBQF/ESB/UCP) e coordenadora do projeto INCREASE em Portugal. menor, é extremamente importante”. E as leguminosas, acrescenta Marta Vasconcelos, são talvez o ingrediente de mais fácil acesso e a um preço acessível, funcionando como um alimento ideal. Sem esquecer que têm “uma diversidade nutricional muito elevada”, dado que “dentro dos alimentos de origem vegetal são aquelas que têm concentrações mais altas de proteína”, sendo, inclusive, “muitas vezes utilizadas como complemento ou substituição da carne”. Outro fator a considerar é o benefício ambiental. “As leguminosas são as únicas que têm a capacidade de fixar azoto com as relações simbióticas que fazem com bactérias e reduzem assim a dependência dos fertilizantes azotados”, explica Marta Vasconcelos. Se olharmos para a história da humanidade, acrescenta a professora, há alguns séculos as leguminosas eram a tal praticidade do alimento e atualmente, nalguns países, são já mais uma tendência de produtos à base de plantas em detrimento da carne. n

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