BA24 - Agriterra

52 AGRICULTURA BIOLÓGICA corrida à conversão em vários EstadosMembros. Portugal surpreendeu ao posicionar-se num patamar elevado deste esforço coletivo, com um avanço que, à primeira vista, sugere maturidade do setor. Ainda assim, por detrás dos números acumulam-se limitações estruturais que condicionam a consolidação de fileiras industriais verdadeiramente competitivas. De acordo com Gonçalo Rodrigues, professor Auxiliar do Instituto Superior de Agronomia (ISA), da Universidade de Lisboa, o país atingiu em 2023 cerca de 860 mil hectares certificados, correspondendo a 22% da SAU nacional, ultrapassando em 70% a meta prevista para 2027. Porém, como sublinha, este crescimento “mascara fragilidades estruturais importantes”, sobretudo ao nível técnico e organizacional. O especialista refere que a gestão de pragas e doenças exige conhecimentos especializados que muitos produtores ainda não possuem, e que os fertilizantes biológicos de qualidade permanecem caros e escassos no mercado interno. A falta de variedades adaptadas ao modo biológico agrava o desafio tecnológico. A pressão económica durante o período de conversão continua a ser uma barreira decisiva. Gonçalo Rodrigues lembra que os produtores precisam de cumprir todas as regras da produção biológica sem poderem ainda comercializar como tal, enfrentando custos superiores “sem um retorno a curto prazo”, o que gera instabilidade económica nas explorações de menor dimensão, principalmente nos anos de arranque. A estrutura fundiária portuguesa contribui igualmente para diferenças regionais significativas. O Alentejo concentra cerca de 60% da área biológica nacional e reúne as explorações de maior escala, capazes de integrar práticas mais profissionais e de responder a necessidades industriais. Já no Norte, a forte fragmentação fundiária dificulta a criação de sistemas competitivos e limita o aparecimento de novas fileiras. Para o professor do ISA esta dualidade cria “obstáculos diferenciados” e explica a assimetria do desenvolvimento da fileira. A PRESSÃO DAS IMPORTAÇÕES E OS LIMITES DA INDÚSTRIA NACIONAL Apesar de a procura crescer, as indústrias transformadoras nacionais continuam a enfrentar uma concorrência intensa das importações. Espanha e Itália, países com maior escala produtiva e custos inferiores, “dominam as prateleiras do grande retalho” europeu, incluindo o português. É frequente que produtos biológicos importados cheguem ao mercado final a preços mais competitivos do que os nacionais, um obstáculo que se mantém mesmo com o aumento da produção interna. Segundo o especialista, a produção portuguesa destaca-se sobretudo “pela qualidade e frescura em nichos específicos”, mas não pela capacidade de fornecer volumes constantes, um requisito essencial para o grande retalho e para a exportação. Um dos problemas centrais reside na falta de organização da oferta: menos de 20% dos produtores estão integrados em estruturas coletivas. O reforço das cadeias curtas, frequentemente valorizadas pelo consumidor e pela restauração coletiva, depende da criação de infraestruturas de logística colaborativa, capazes de agregar produções dispersas e distribuir de forma eficiente para centros urbanos. Em simultâneo, o investigador da Universidade de Lisboa defende a implementação de “quotas obrigatórias de produtos biológicos nacionais nas compras públicas”, nomeadamente em cantinas escolares e hospitais, garantindo assim uma procura estável e previsível. A presença no grande retalho e nos mercados externos, por sua vez, exige uma reorganização profunda da produção. Gonçalo Rodrigues sublinha que apenas através de organizações de produtores e cooperativas profissionalizadas será possível alcançar escala, garantir regularidade de oferta e ganhar poder negocial. TRANSFORMAÇÃO: O ELO MAIS FRÁGIL DA CADEIA A transformação de produtos biológicos em Portugal continua limitada e muito aquém do potencial da indústria agroalimentar. As fileiras de conservas, sumos, snacks, ingredientes funcionais e produtos prontos a consumir esbarram no mesmo problema estrutural: irregularidade na oferta de matéria-prima. E este é, segundo o docente, um bloqueio crítico. A produção primária é muito fragmentada e sazonal, e raramente assegura o fluxo constante necessário à rentabilidade de unidades industriais. A isto somam-se o elevado investimento inicial na certificação de linhas de produção e a fraca ligação aos centros de investigação, o que trava a criação de produtos biológicos com maior valor acrescentado. A área certificada em produção biológica ultrapassou valores históricos e o interesse industrial cresce, mas acumulam-se limitações estruturais que condicionam a consolidação de fileiras competitivas

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