Chaparro Agrícola e Industrial, S.L.
Informação profissional para a agricultura portuguesa
“Os cereais são uma cultura indispensável no sequeiro”

Entrevista com Manuel Patanita, Professor Coordenador do Centro de Experimentação Agrícola do IPBeja

Emília Freire04/10/2021

Manuel Patanita defende que os cereais são uma componente fundamental nos sistemas agro-silvo-pastoris, para complementar a alimentação dos animais. O professor e investigador do Instituto Politécnico de Beja reconhece, todavia, que o aumento de produtividade no regadio, claramente, suplanta o aumento dos custos, que advêm principalmente dos fitofármacos.

"Podemos dizer que o trabalho que a fileira dos cereais tem desenvolvido é um exemplo que se pode replicar para outro tipo de produtos"...

"Podemos dizer que o trabalho que a fileira dos cereais tem desenvolvido é um exemplo que se pode replicar para outro tipo de produtos".

Faz sentido apostar em cereais de sequeiro? Como podem ser rentabilizadas essas áreas?

A área de sequeiro é incomparavelmente maior do que a área de regadio. Damos muita atenção ao regadio, porque conseguimos ter produtividades mais interessantes, tendo em conta as nossas condições climáticas e porque temos outras opções culturais, mas a nossa área de sequeiro é claramente maioritária e importante em termos de coesão territorial.

Os cereais são uma cultura indispensável no sequeiro. Se olharmos para o Alentejo, por exemplo, que tem cerca de dois milhões de hectares de Superfície Agrícola Útil (SAU), o regadio é uma percentagem muito pequena. No sequeiro predominam os sistemas agro-silvo-pastoris e os cereais são uma componente fundamental desses sistemas para complementar a alimentação dos animais que, em muitas explorações, é necessário durante cerca de seis meses. Não só pelo subproduto palhas, mas também pela sua integração em consociações forrageiras, sendo uma base da pecuária extensiva.

Até porque muitas explorações passaram a produzir em Modo de Produção Biológico (MPB) e têm de produzir a maior parte dos alimentos para os seus animais, uma vez que é difícil encontrar alimentos de produção biológica fora destas explorações.

Para além disso, os cereais têm também importância em termos produtivos, na utilização do grão para a indústria alimentar. E o interesse da indústria das moagens por cereais de sequeiro tem vindo a crescer nos últimos tempos para alguns nichos de mercado, nomeadamente, para o baby food, aquilo que hoje é vulgarmente conhecido como cereais com Baixo Teor de Pesticidas (BTP). Porque nas zonas de sequeiro utilizam-se poucos pesticidas, não se usando mesmo fungicidas nem inseticidas. São produções mais baixas, mas onde há menos inputs de fatores de produção e tem vindo a crescer a procura por este produto, sendo valorizado por ter este modo de produção mais amigo do ambiente e com menos resíduos.

Há, por isso, uma janela de oportunidade para as áreas de sequeiro, com os cereais BTP.

Mas as produtividades são muito menores do que no regadio, embora haja menos inputs, a valorização compensa?

Em termos de custos, a conta de cultura do sequeiro rondará os 600€/ha enquanto no regadio, com maior variabilidade, pode situar-se entre 900-1.000€/ha, dependendo da aplicação de mais ou menos produtos fitofarmacêuticos. Porque o preço da água não é muito significativo, já que conseguimos duplicar ou mesmo triplicar a produtividade usando pouca água. A eficiência do uso da água de rega neste tipo de culturas é muito elevada.

Apenas com regas de auxílio, podemos passar de uma produtividade de 2.500 kgs para os 5.000 ou até para os 7.000 kgs por hectare e isso, em termos de receita da cultura, claramente suplanta o aumento dos custos.

E os sistemas de rega são cada vez mais eficientes.

Claramente, tem-se evoluído muito nessa área. O regadio, genericamente, é uma prática sustentável. É evidente que há culturas que necessitam de mais água do que outras e os cereais, sendo culturas de outono-inverno, dependendo muito da precipitação na primavera, pode ser necessário regar mais um pouco mas, em termos médios, usam 1.000 m³/ha e, como disse, podem duplicar ou triplicar a produção.

Claro que há culturas que precisam de muito mais água, o milho produz-se exclusivamente com água de rega e nas culturas como o olival e o amendoal, por exemplo, também se rega apenas quando é necessário, mas são sistemas de rega localizada, gota-a-gota, onde há uma eficiência muito grande da dotação. Para além disso, os sistemas de monitorização são muito eficientes, todos os produtores têm caudalímetros, sondas de humidade e com as tecnologias que existem de agricultura de precisão faz-se a divisão das folhas em setores, regam-se de uma forma os solos com texturas mais argilosas e de outra os solos mais arenosos, ou seja, a eficiência do uso da água na agricultura é grande.

Com regas de auxílio, podemos passar de uma produtividade de 2.500 kgs para os 5.000 ou até para os 7.000 kgs por hectare e isso, em termos de receita da cultura, claramente suplanta o aumento dos custos.

"Os sistemas de monitorização são muito eficientes, todos os produtores têm caudalímetros...

"Os sistemas de monitorização são muito eficientes, todos os produtores têm caudalímetros, sondas de humidade e com as tecnologias que existem de agricultura de precisão faz-se a divisão das folhas em setores".

Com as alterações climáticas, as temperaturas deverão aumentar e a precipitação diminuir, será possível continuar a produzir da mesma forma nas áreas de sequeiro?

Já se tem vindo a notar uma diminuição do período cultural. Há períodos mais longos sem precipitação, pelo que há menos tempo disponível para o desenvolvimento do ciclo cultural, daí que, no que diz respeito ao melhoramento e adaptação de variedades, se está a trabalhar em variedades de ciclos mais curtos, de forma a conseguir obter uma determinada produtividade com um ciclo cultural mais curto.

Isto faz com que, no caso da pecuária extensiva, aumente ainda mais o período de necessidade e suplementação dos animais.

Mas as alterações climáticas fazem sobressair ainda mais a inevitabilidade do sequeiro. Temos de rentabilizar essas nossas áreas, não podemos esquecer que as zonas de sequeiro proporcionam vários serviços, os chamados serviços de ecossistemas, que outras zonas não proporcionam e os agricultores têm de ser remunerados por isso.

Nesta reforma da Política Agrícola Comum (PAC) os ecorregimes já têm um pouco essa situação em consideração, prevendo que os agricultores possam ser ressarcidos por alguns desses serviços de ecossistemas que produzem. Todos beneficiamos com esta ocupação do território e da gestão sustentável destes sistemas que, por serem menos rentáveis têm de ter algum apoio público ou então serem pagos pelos outros benefícios que trazem, para além da produtividade das suas culturas.

E o setor tem feito um bom trabalho no sentido de promover os cereais nacionais. Veja-se o exemplo da marca ‘Cereais do Alentejo’.

Sim, e não podemos esquecer que ao consumirmos cereais nacionais a pegada ecológica também é muito menor ao comprarmos cereais de proximidade. Para além de que já foi amplamente reconhecido que a qualidade é ótima. E, como disse, o setor tem vindo a fazer o seu trabalho: principalmente através do Clube de Produtores de Cereais de Qualidade, que foi criado há 22 anos e tem vindo a desenvolver uma série de iniciativas, começando pelo estudo para a elaboração da Lista de Variedade Recomendadas (LVR), depois criou-se uma formação técnica para a produção de cereais de outono-inverno, no sentido de otimizar e gerir as parcelas de acordo com o seu potencial produtivo e, mais recentemente, foi lançada a marca ‘Cereais do Alentejo’.

Não esquecendo a Agenda de Inovação, com a criação do Centro de Competências dos Cereais, o CEREALTECH, tudo tem vindo a ser desenvolvido de uma forma muito equilibrada, envolvendo todos os agentes da fileira e, do meu ponto de vista, hoje podemos dizer que o trabalho que a fileira dos cereais tem desenvolvido é um exemplo que se pode replicar para outro tipo de produtos.

Voltando ao sequeiro, considera que o caminho para rentabilizar estas áreas é a aposta em sistemas agro-silvo-pastoris?

Exato. Muitas das nossas áreas de sequeiro têm montado e há também com árvores dispersas ou terra limpa e, nelas, os cereais são uma peça indispensável. Estamos a falar principalmente de cereais secundários, como triticale e aveias, que é o que se faz mais no sequeiro, no contexto destes sistemas agro-silvo-pastoris.

Para além disso, há os trigos, que sempre se fizeram e continuam a fazer, embora em áreas mais reduzidas porque em grande parte destas zonas de sequeiro os solos eram de tal forma pobres e com muito fracas capacidades produtivas que acabaram por ser ocupados por pastagens permanentes. O que ficou agora no sequeiro de terra arável, para fazer este tipo de cereais, foram as terras que eram melhores. Por isso, e pelas variedades mais produtivas que temos, conseguimos hoje produtividades mais elevadas do que há anos atrás.

De que produtividades estamos a falar?

Podem rondar os 3.000 ou até 4.000 Kgs/ha. Temos um projeto, que começou em 2012/2013 em Castro Verde, na zona do Campo Branco, de solos muito pobres em matéria orgânica, ph um pouco ácido, zonas desprovidas de vegetação arbórea e arbustiva, solos de facto com muitas limitações, e temos produtividades de triticale – que é o cereal que, claramente, está mais adaptado àqueles condicionamentos ecológicos – na ordem dos 4.000 a 4.500 kgs/ha, com um potencial muito elevado. Por isso, defendo que os cereais são uma peça que não vai poder ser retirada deste tipo de sistemas.

Há uma janela de oportunidade para as áreas de sequeiro, com os cereais BTP.

Para alimentação animal?

Sim, na sua grande maioria, embora a indústria também utilize, numa determinada percentagem, farinha de triticale para fazer o chamado ‘pão de mistura’ sendo, todavia, mais comum e mais rentável o uso do centeio, que é um cereal panificável. Só que hoje em dia são valorizados os produtos mais diferenciados, com misturas de farinhas, e o triticale, sendo um cruzamento do trigo com o centeio, tem caraterísticas especiais que conferem aos produtos qualidades reconhecidas, tanto a nível nutricional como de paladar.

Esta zona do Campo Branco, não é uma zona de excelência para cereais, fazem-se principalmente cereais secundários para alimentação animal, mas está a ter uma procura grande da indústria para trigos BTP para o baby food.

A indústria tem vindo a deixar de lado algumas zonas, no regadio, para este tipo de cereais porque há uma infestante comum, a figueira-do-inferno, cujas sementes – e ela produz muita, muita semente –, têm alguns problemas de toxicidade, levando à rejeição de vários lotes. No sequeiro isso não acontece, pelo que tem aumentado a procura deste tipo de cereais: no ano passado já houve uma experiência piloto (com a Ceres/Germen, através da Associação de Agricultores do Campo Branco), com a aquisição de alguns lotes, e este ano aumentaram muito a área.

Mas os cereais também são importantes para a rotação das culturas.

Sem dúvida, os cereais são determinantes para se fazer rotação nas áreas de sequeiro destinadas a pastagens permanentes. A rotação é o princípio básico da agricultura e, para além dos cereais, temos algumas leguminosas, como as ervilhas e os tremoços, em algumas áreas a colza também poderá entrar.

O IPBeja é parceiro do INIAV no programa de melhoramento de cereais e ao longo do percurso de melhoramento da planta...

O IPBeja é parceiro do INIAV no programa de melhoramento de cereais e ao longo do percurso de melhoramento da planta.

Em termos de investigação, que projetos estão a ser desenvolvidos, de melhoramento e adaptação de cereais às alterações climáticas?

O Instituto Politécnico de Beja é parceiro do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV) no programa de melhoramento de cereais e temos em Beja um campo onde trabalhamos ao longo do percurso de melhoramento da planta, por um lado, a adaptação regional, ou seja, verificar onde as linhas de investigação têm comportamentos mais interessantes. Trabalhamos trigos moles e duros, cevadas dísticas, triticales, aveias e cevadas, ou sejam cereais praganosos, exceto o centeio.

Para além da componente de adaptação das variedades, tempos vindo a trabalhar também fundamentalmente dois fatores de produção: a água e a fertilização azotada.

A fertilização azotada porque o azoto é fundamental para o teor de proteína dos ceraeis e este teor é o que determina a qualidade, seja ele nos trigos ou nas cevadas. Embora no trigo se valorize mais a proteína e na cevada o equilíbrio, havendo um intervalo proteico.

Temos vindo a trabalhar a dose, a época de aplicação e o fracionamento dessa fertilização azotada, verificando em que alturas do ciclo cultural é importante fazer a aplicação do azoto, não só para promover a produtividade, mas igualmente para melhorar a qualidade do cereal.

Depois interligamos isto com a água de rega: comparando com o sequeiro, com a rega satisfazendo 100% das necessidades da cultura, com a rega não satisfazendo totalmente estas necessidades e administrando água só nas fases críticas da cultura.

Os dados já nos mostram que esta rega só nas fases críticas, em termos de produtividade, tem resultados idênticos à rega para satisfazer 100% das necessidades da cultura. Pelo que podemos regar com muito menos água sem perder produtividade.

Outra vantagem do regadio é que, além das produtividades conseguimos controlar muito melhor a qualidade

Ou seja, estamos a falar não de regadio mas de sequeiro assistido, poupando água e nutrientes.

Exatamente e a questão dos nutrientes é muito importante porque, muitas vezes, não se fazem análises à água de rega, aos nutrientes que a água naturalmente tem. Por exemplo, aqui em Beja há uma zona vulnerável, em que a água tem um teor de nitratos elevado, por isso há práticas agrícolas que são condicionadas nessas áreas, em termos da aplicação de azoto em quantidade e épocas de aplicação, porque esta água não só hidrata a cultura como satisfaz também algumas necessidades de nutrientes, nomeadamente de azoto, que é aquele que é necessário em maior quantidade, podendo-se assim poupar no adubo sólido.

Na nossa formação técnica de cereais trabalhamos precisamente a importância de se aplicar os fatores de produção em função da produtividade esperada: se a nossa seara apenas tem potencial para produzir 3.000 kgs não vamos aplicar adubo para 5.000 kgs.

Na investigação, temos estudado também o tipo de azoto e as épocas de aplicação e verificámos que há uma fase muito importante, entre o emborrachamento e o espigamento, em que devemos sempre fazer aplicação de azoto. Porque, embora seja uma fase que não tenha diretamente influência na produtividade da cultura, é uma fase determinante para a sua qualidade.

Isto, no que diz respeito aos trigos, mole e duro, no caso da cevada dística é diferente. A cevada deve ter um intervalo proteico entre os 9% e os 11%, com um valor ótimo à volta dos 10%, por isso a época de aplicação de azoto não pode ser tão tardia, tem de ser mais precoce, no final do encanamento. Isto em regadio, porque se for numa produção de sequeiro as adubações têm de ser feitas sempre de uma forma mais precoce, porque não sabemos o que vem em termos de chuva e se não chove depois da aplicação ou se chove muito pouco, há pouca diluição do azoto e da proteína.

Esta é outra vantagem do regadio, além das produtividades, conseguimos controlar muito melhor a qualidade: aplicamos azoto e regamos. Como tal, promovemos uma diluição desse azoto.

Para além da componente de adaptação das variedades, tempos vindo a trabalhar também fundamentalmente dois fatores de produção: a água e a fertilização azotada.

A LVR não tem distinção entre sequeiro e regadio, pois não?

A LVR é uma lista de variedade de qualidade – trigos melhoradores e semicorretores e os que são mais valorizados em termos de qualidade. É feita em regadio, não há uma LVR para o sequeiro, mas pode ser aproveitada. Só que há algumas variedades com um bom potencial produtivo em sequeiro, que do ponto de vista de qualidade são menos interessantes, e que não estão na LVR, porque o que se tem valorizado é a qualidade. De certa forma é uma falha, mas que temos tentado colmatar com o projeto do Grupo Operacional dos trigos BTP, onde estão em avaliação várias variedades, umas da LVR e outras não. E aí, além da qualidade, avaliamos também a produtividade, que é muito importante para o agricultor de sequeiro, e igualmente as variedades que são mais tolerantes aos agentes patogénicos, nomeadamente aos fungos, para que possamos fazer o acompanhamento do seu ciclo cultural sem a aplicação de fungicidas.

Queria referir também que além da produção para alimentação animal em MPB, de que falei no início da nossa conversa, há também já alguns agricultores a produzir cereais para alimentação humana neste sistema, uma vez que a procura também tem aumentado e é outra forma de rentabilizar as áreas de sequeiro, uma vez que esta produção também é mais valorizada.

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