Trás-os-Montes ainda é a principal região produtora de amêndoa em Portugal e a área tem aumentado. No Alentejo apura-se a produção, mantendo o caminho ascendente, com os novos amendoais intensivos a entrarem em velocidade de cruzeiro. Para enfrentar esta ‘concorrência’, a região estendeu a produção às zonas de transição da Terra Fria para a Terra Quente, aposta nas variedades tradicionais e, principalmente, na produção biológica.
O Alentejo tem hoje cerca de 16.000ha de amendoais, maioritariamente, intensivos/em copa.
Com o ‘boom’ do amendoal no Alentejo, nos últimos anos, quisemos saber, por um lado, como está a evoluir essa produção, quais as opções com futuro e, por outro, como está a reagir Trás-os-Montes, a região tradicional de produção de amêndoa.
Para nos dizer como está a produção no Alentejo, falámos com Miguel Matos Chaves, diretor-geral da Migdalo, empresa produtora de amêndoa, que tem uma unidade de descasque e embalamento em Ferreira do Alentejo e que também presta consultoria agronómica a vários produtores da região, que lhe entregam a amêndoa.
Carlos Silva presidente do Centro Nacional de Competências dos Frutos Secos (CNCFS), com sede em Bragança, é quem nos vai ajudar a ‘tirar o pulso’ à evolução do amendoal em Trás-os-Montes.
Começando pela região que ainda é a principal produtora, Carlos Silva reconhece que o surgimento de uma nova região de amêndoa em Portugal fez mexer o setor em Trás-os-Montes. Mas, o incentivo também veio da mesma razão que levou à aposta do amendoal no Alentejo (disponibilidade de água à parte): a forte subida do preço da amêndoa no mercado mundial há cerca de dez anos, com a seca na Califórnia, o maior produtor mundial, a gerar grande aumento da procura por este fruto.
“O interesse na cultura cresceu e a área de amendoal aumentou em cerca de 4.000/5.000 hectares nos últimos dez anos, situando-se em torno dos 25.000 ha, versus os 15.000/16.000 ha do Alentejo”, diz-nos Carlos Silva. “Há novas plantações, também em zonas que, até aqui, não tinham amendoal, sendo que entre 1.500 a 2.000 ha são de regadio”. No total, a área de amendoal no País ultrapassa os 49.000 ha, o que representa uma produção anual na ordem dos 30.000 kgs.
A alteração das condições edafoclimáticas levaram a que em áreas mais quentes e mais baixas onde anteriormente havia, por exemplo, castanheiro, se tenha agora plantado amendoal. São zonas de transição da Terra Fria para a Terra Quente, em Vinhais, Valpaços, Macedo de Cavaleiros, Mirandela, Alfândega da Fé, Carrazeda de Ansiães e até já em Figueira de Castelo Rodrigo e Almeida. “Também em zonas onde havia olival, porque esta cultura está a sofrer mais com a maior competitividade dos novos olivais no Alentejo, do que o amendoal ou, por exemplo em Mogadouro no Planalto Mirandês, houve igualmente reconversão de zonas de cereal para amendoal”.
Em muitos amendoais de Trás-os-Montes houve uma reconversão com adensamento e substituição de plantas, porta-enxertos e até de variedades.
Outra opção foi a reconversão de alguns dos tradicionais pomares de sequeiro “com o adensamento das plantações, aproximando-se mais das 240 árvores por hectare do que das tradicionais 160 árvores/ha, encurtando o compasso e, onde há possibilidade de regar, estamos a assistir à inclusão do regadio também no amendoal”.
Em muitos amendoais houve assim uma reconversão com adensamento e substituição de plantas, porta-enxertos e até de variedades, “embora se continue a privilegiar as variedades tradicionais, de casca dura – como Lauranne, Ferraduel, Marcona, Verdeal, Casanova, Pegarinhos e Ferragnès – que têm menor rentabilidade, à parte de algumas experiências com as variedades mais produtivas que estão a ser testadas no Alentejo”.
Estas variedades de casca dura têm um rendimento de cerca de 20 a 30%, depois do descasque, face aos cerca de 40% do rendimento das variedades americanas de casca mole, já também plantadas no Alentejo. Embora igualmente aí a maioria das plantações sejam de amêndoa mediterrânica, mas de variedades mais adaptadas à produção intensiva/em copa de regadio.
O presidente do CNCFS diz-nos que várias explorações optaram por fazerem a transição para o Modo de Produção Biológico (MPB), ganhando competitividade, e “esse poderá ser o caminho para o amendoal em Trás-os-Montes, porque a valorização do produto pelo mercado compensa a menor produtividade destas produções de sequeiro”, defende Carlos Silva.
O preço do miolo de amêndoa de 2020 andou entre os 3€ e os 4€, enquanto a biológica se situou entre os 5€ e os 6€, “o que pode manter a cultura atrativa”, afirma Carlos Silva, salientando que “os agricultores continuam a considerar a amêndoa uma cultura competitiva, embora os preços de 2020 e esperados para 2021 tenham refreado um pouco o ânimo, porque o consumo baixou bastante, uma vez que havia muito consumo indireto, através da pastelaria por exemplo, e a produção a nível mundial subiu”.
O consumo de frutos secos em Portugal tinha quase duplicado nos últimos anos, “passando de pouco mais de 3kgs para ultrapassar os 6kgs per capita há cerca de dois ou três anos, segundo um trabalho do Centro de Competências, e a tendência continuava a ser de subida, por isso antes da pandemia já devíamos estar mais perto dos 7kgs per capita, sendo que a amêndoa é o principal fruto seco consumido”.
O consumo de frutos secos em Portugal mais do que duplicou nos últimos anos, passando de pouco mais de 3kgs para perto dos 7kgs per capita.
O diretor-geral da Migdalo explica-nos que a empresa tem acompanhado o crescimento da cultura da amêndoa no Alentejo, uma vez que as suas primeiras plantações foram em 2013 e, desde aí, a área de amendoal explodiu, situando-se hoje em torno dos 16.000 ha e continua a aumentar.
A empresa tem cerca de 50 fornecedores, fazendo consultoria agronómica a dez deles, e “iremos atingir o máximo de capacidade instalada da nossa unidade industrial – 2,5 milhões de kg por campanha – este ano, por isso estamos a planear aumentar essa capacidade em 2022 ou 2023”, diz Miguel Matos Chaves.
Para o futuro da produção no Alentejo considera que “o caminho deve ser o da valorização da amêndoa mediterrânica, de casca dura, como fizemos, desde o início na Migdalo”. A empresa criou frascos individualizados para a amêndoa da variedade Soleta, Belona e Guara, por exemplo, e nas feiras dava a provar as três variedades para as pessoas perceberem a diferença.
“Esses frascos foram um teste às variedades mais plantadas aqui na região [e que são mediterrânicas], tivemos um painel de provadores e fizemos análises químicas a cada uma delas e encontrámos diferenças até nutricionais, também de textura e sabor e até aptidões indústrias diferentes”, explica o responsável.
Miguel Matos Chaves adianta que “que estuda todas estas questões afirma que a amêndoa mediterrânica é mais rica em termos nutricionais, por exemplo em ácidos gordos, do que a americana e que é melhor em termos de sabor, mas isso já é discutível, mas é preciso mostrar essas diferenças aos consumidores e sobretudo, promovê-las, porque o consumidor não as (re)conhece”.
Quanto à condução da cultura, como já vários especialistas e produtores nos têm dito (e a Agriterra tem escrito nas suas edições), o diretor-geral da Migdalo afirma que “a opção preferida tem sido a produção em copa, porque há muito mais informação e mais histórico. É um modelo que é sustentável, viável e rentável versus o modelo em sebe, para o qual já há alguma informação mas ainda muito desconhecimento”.
A decisão de avançar para o amendoal em sebe parece depender mais do investidor, se, por exemplo, já tem olival conduzido desta forma, entre outros fatores.
Os novos amendoais a ‘pintarem de branco’ a paisagem alentejana.
De qualquer forma, Miguel Matos Chaves também frisa que “dentro do modelo de produção em copa também há formas diferentes de conduzir a cultura de acordo com a dimensão da exploração – não é indiferente se a propriedade tem 20 ou 30ha ou se tem 300 ou 400ha –, o tipo de colheita e o tipo de solo (já que a amêndoa é muito sensível ao encharcamento), entre outros fatores”.
O responsável quis ainda frisar que “embora o amendoal tenha necessidades hídricas um pouco superiores ao olival, precisa de menos água do que outras culturas como o milho, por exemplo, rondando os 5.000 a 6.000m³, em plena produção” e sublinha: “a eficiência dos atuais sistemas de rega é enorme e, a esmagadora maioria das explorações tem tudo controlado com estações meteorológicas, sondas de humidade, etc. para regar, fertilizar e fazer aplicações de fitofarmacêuticos só mesmo nas quantidades e locais necessários”.
Apesar de já haver vários anos de conhecimento destas variedades mais plantadas no Alentejo – como a Guara, Lauranne, Belona, Soleta, Vairo, Marinada e Antonieta –, e de estarem bem adaptadas à região, refere que ainda há pouco conhecimento a nível sanitário e “várias têm-se mostrado sensíveis a algumas doenças”, pelo que é preciso estudar mais. Além de que, “há muito poucas substâncias ativas homologadas para a cultura”.
Numa última nota, Miguel Matos Chaves congratula-se com a recente criação da Associação Para a Promoção dos Frutos Secos, com sede em Évora, que pretende unir este setor novo na região e que está em crescimento.
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Agriterra - Informação profissional para a agricultura portuguesa