Falar do Alto Douro Vinhateiro é falar de Património Mundial da Humanidade, mas é também lembrar a sustentabilidade da vinha, a gestão do território, a capacitação tecnológica, a importância das adegas e a eficiência energética associada ao setor de forma transversal.
Foi tudo isto e muito mais que se debateu na Quinta do Portal, a 26 de outubro de 2021, no workshop 'A Sustentabilidade no Alto Douro Vinhateiro', uma iniciativa da Delegação Distrital da Ordem dos Engenheiros - Delegação Norte, em Vila Real.
O evento incidiu sobre várias temáticas relacionadas com o Alto Douro Vinhateiro e em várias vertentes, entre elas, o 'Sistema de Monitorização do Alto Douro Vinhateiro – Paisagem e Ordenamento do Território', 'A vinha e a transformação da paisagem duriense', 'Projetos de arquitetura de adegas' e 'Controlo da temperatura no processo produtivo e climatização de adegas – eficiência energética dos sistemas'.
Entre as várias intervenções ao longo do dia, destacamos a do Presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto (IVDP), Gilberto Igrejas, que começou por dizer que “é importante, mais do que nunca, debater os desafios da região”, sobretudo numa pandemia como a que estamos a viver, mas também no que respeita ao futuro.
“Falar de sustentabilidade, implica pensar um território, consoante a sua dimensão cultural, social, económica e ambiental. Essa sustentabilidade está a ser posta em causa, no caso da Região Demarcada do Douro, pelos problemas relacionados com o envelhecimento da população e pela desertificação", alertou. De forma a combater esta tendência, "importa estabelecer a fixação e atração dos jovens para estas regiões, através da criação de projetos e fixação da riqueza". E para alcançar este objetivo, vincou, "é essencial pensar o Douro como um todo, tendo em conta o seu vasto e riquíssimo património paisagístico e cultural, a qualidade inegável do setor vitivinícola, a importância das instituições de Ensino Superior, inovação e tecnologia no território, mas também as cadeias de valor, provenientes da mobilidade transfronteiriça e da cobertura digital do próprio território". Gilberto Igrejas não tem dúvidas, "o Douro, enquanto fator turístico, deve dispor de uma cobertura digital adequada às necessidades atuais", de forma a que se torne um atrativo para a fixação dos jovens e para incentivar a implementação e instalação de novos empresários.
O Presidente do IVDP lembrou igualmente o evento pioneiro que levou recentemente à criação de um documento pela sustentabilidade da Região Demarcada do Douro, "um Pacto em que o poder político, através de 33 instituições, lideradas pelo IVDP, a vários níveis da sua atuação, se comprometeram a apoiar o tecido produtivo, na implementação de políticas adequadas ao aumento da sustentabilidade ambiental, cultural, social e económica, privilegiando a Biodiversidade no espaço em que as singularidades vitivinícolas confluem para que delas continue a brotar a excelência dos nossos vinhos".
Helena Teles, da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), abordou o tema dos sistemas gestão e de monitorização do Alto Douro Vinhateiro, dando conta inicialmente do enquadramento territorial da região, lembrando que o Alto Douro Vinhateiro tem uma área classificada de 24.600 hectares, sendo que a Zona Especial de Proteção conta com 250 mil hectares.
"A identidade do território é essencial, com caraterísticas que têm de ser tidas em conta, entre elas, o património tangível e intangível, os fatores históricos, as caraterísticas biofísicas, as dinâmicas socio-económicas e o património natural e cultural", relembrou.
António Sousa Pinto abordou o tema da 'Vinha e a Transformação da Paisagem Duriense' e destacou os vários tipos de vinha, os seus declives, os muros, os casebres agrícolas e a questão da drenagem. Lembrou a importância do saber dos antepassados da região bem como o conhecimento passado de geração em geração. "Eu faço parte da terceira geração de viticultores. É importante aprender com os mais velhos e não esquecer que as suas experiências são essenciais. E é isso que tento também passar aos mais novos", garante.
O segundo momento de apresentações contou com o arquiteto António Belém Lima, que abordou o tema 'Projetos de Arquitetura de Adegas' e com Paulo Sousa, que falou sobre 'Controlo da Temperatura no Processo Produtivo e Adegas - Eficiência Energética dos Sistemas', seguindo-se um debate moderado por Jorge Carvalho, da Eurofred Portugal.
António Belém Lima trouxe dois exemplos de adegas no Douro, com caraterísticas diferentes, "o que as une é o pensamento arquitetónico, mas depois divergem porque têm problemas e dimensões diferentes".
A Adega Alves de Sousa foi um dos casos que deu a conhecer, "demorou sete anos a fazer", explicou, lembrando que o tempo de execução está relacionado com "os problemas destes investimentos". O projeto começou em 2008 e a obra terminou em 2015.
Belém Lima realçou que "o que se pede ao arquiteto é que pense a arquitetura para o espaço onde está. A primeira coisa que um arquiteto necessita é de uma ideia que leve o projeto até ao fim". "Uma adega esconde o vinho, incorpora uma espécie de segredo, é um compacto de sensações, e é também o gozo da surpresa. Além disso, a arquitetura também tinha o desafio do elogio do clima, com um terreno muito declivoso, como é a maior parte do Douro. E havia ali uma engenharia 'enterrada', muito de acordo com a tradição dos produtores de vinho, de enterrar as adegas, com a ajuda da climatização que se consegue. Aproveitou-se então o declive, paralelo às linhas de topografia, de forma a criar uma espécie de um abrigo passivo. E isso também ajuda a dramatizar a luz, uma coisa muito da arquitetura, contar com a luz como matéria de projeto e de construção".
Nesta explicação arquitetónica que levou à construção desta adega, o arquiteto recorda também a importância do "elogio da paisagem. A adega foi construída num terreno difícil, com um serpentear de uma estrada nacional, e com toda a diversidade da paisagem. Em termos de programa, o projeto tentou ser o mais funcional possível, ainda assim a tarefa do arquiteto passa por saber como o dispõe. Falamos de um projeto com três pisos e uma cobertura, e a disposição das coisas tem a ver com o aproveitamento que queremos fazer da posição", sublinhou Belém Lima.
“No nível 3, de acesso à adega, temos a receção das uvas, a zona dos lagares, a linha de engarrafamento e o semi-acabado e o acabado”, descreveu o arquiteto. Já no nível -1, o mais baixo, o designado 'enterrado', situa-se a sala de barricas e a vinificação. Finalmente, "há uns programas complementares, que começam a ter cada vez mais importância nas adegas, como sendo a localização da loja de venda de vinhos e a sala de provas".
Em relação à construção, salienta o arquiteto, esta adega "não é canónica", no sentido de ser uma adega feita com pedra de xisto da região, "ela é feita completamente em betão, revestida com um tijolo preto. É uma parede ventilada, onde conseguimos uma neutralidade de temperatura na zona de 'enterradas' e na zona de vinificação, por exemplo, não é necessário máquinas para manter a climatização. Obviamente nos lugares onde essa climatização tem de ser regida por valores (como é o caso da sala de barricas, do laboratório), das zonas que obrigam a ter controlo de temperatura, aí há alguma climatização".
A adega, referiu, também tem ventilação constante, contínua, na zona da vinificação e depois a criação do ambiente geral.
Do ponto de vista estético, "a adega é uma espécie de um enigma, assumindo-se como um intruso especial na paisagem. E é nisto que ela simboliza o elogio da paisagem, porque podemos passar por ela sem dar por isso".
O outro caso que Belém Lima deu a conhecer foi a adega da Lavradores de Feitoria, Vinhos de Quinta S.A., um projeto criado em setembro de 2000 e que resultou da união de 15 lavradores, proprietários de 18 quintas distribuídas pelos melhores terroirs do Douro, repartidas pelas três sub-regiões (Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior). Atualmente compõe a estrutura da empresa: 48 acionistas, dos quais 15 são produtores de uva e 19 quintas. Juntos, somam uma área total de vinha superior a 600 hectares.
Quanto à adega propriamente dita, demorou quatro anos a construir. "A adega também é uma espécie da escrita do enólogo. Quando o enólogo pensa na sua adega, nós percebemos que isso pode ser importante para o projeto, e vi isso nas reuniões que tive com os enólogos", lembrou António Belém Lima.
“Falamos de uma adega maior que a de Alves de Sousa e a ideia foi sempre pautada pela receção das uvas e na expedição do vinho, e da importância estratégica destas duas coisas”, afirma o arquiteto, lembrando que estes dois momentos são muito simbólicos neste projeto pela importância que têm para os Lavradores de Feitoria.
Paulo Sousa, engenheiro mecânico de profissão, abordou o tema 'Controlo da Temperatura no Processo Produtivo e Adegas - Eficiência Energética dos Sistemas'.
Paulo Sousa explicou como se processa o controlo datemperatura no processo produtivo e adegas.
Começou por explicar a definição da palavra 'vinho', uma bebida alcoólica "produzida por fermentação parcial ou total de uvas frescas, inteiras ou esmagadas, ou de mostos e que liberta CO2 e álcool e calor rejeitado (que é necessário libertar dos processos)". "Falamos de um processo de libertação de CO2 e dissipação térmica de uma determinada casta ao longo do tempo. E este tempo de que falamos, para nós, sem a colaboração permanente do enólogo, é muito difícil de calcular, tendo em conta que depende de casta para casta, e a velocidade de fermentação não somos nós, mecânicos, que a vamos determinar", explica.
O responsável deu nota ainda do processo de vinificação, dos processos de temperatura, do aquecimento e arrefecimento, e da curtimenta.
Outro aspeto importante, sublinhou, passa pelo arrefecimento das uvas na chegada à adega. "Muitas vezes, se o tráfego for grande, como acontece em alguns casos, as uvas começam a oxidar e começa a fermentação no próprio transporte". Para evitar que tal aconteça, é essencial a criação de câmaras frigoríficas na receção das uvas, no transporte, "permitindo abrandar a oxidação, impedir a fermentação precoce, previne a extração de substâcias fenólicas e homogeniza a temperatura da matéria-prima, produzindo depois o vinho com as uvas todas à mesma temperatura".
"Para que tal seja possível, é comum a utilização de caixas com uma determinada dimensão", realça. Na parte do desengace e esmagamento, o responsável salientou "a separação dos cachos e o esmagamento das uvas. A maceração acontece com o arrefecimento máximo anterior à fermentação, havendo uma necessidade de arrefecimento do processo e depois entra-se na parte da permuta do arrefecimento das uvas esmagadas". A utilização nesta fase é feita normalmente com os chamados permutadores 'tubo-em-tubo', com diâmetros consideráveis, e se possível fazer o arrefecimento até 10 graus.
Na parte da prensagem (separação do mosto e dos bagaços), "é essencial que o arrefecimento seja igualmente bem efetuado". "O arrefecimento do mosto pode ser feito com grupos de expansão direta com corpo raspante, através de permutadores tubo-em-tubo e permutadores em espiral (estes últimos menos utilizáveis, pelo custo elevado que comportam e por necessidades de limpeza e desmontagem mais exigentes) ", afirmou Paulo Sousa.
Jorge Carvalho, da Eurofred Portugal, moderou o debate após a apresentação sobre o 'Controlo da Temperatura no Processo Produtivo e Adegas - Eficiência Energética dos Sistemas'.
Já a fermentação alcoólica é efetuada por leveduras, dando-se uma libertação de calor, sempre com um controlo de temperatura associada. No que respeita à ventilação, "o ar novo exterior permitirá libertar a concentração de CO2 que está a ocorrer na fermentação, com auxílio a ventiladores de extração ou unidades de tratamento de ar". Além disso, acrescenta, "é comum utilizar-se um ventilador de extração nas barricas visitáveis com a sonda ambiente de CO2, ou seja, para não termos sempre o sistema a ventilar".
O responsável analisou ainda, entre outras questões, o controlo de humidade relativa e temperatura ambiente nas salas de barricas. Por fim, em jeito de conclusão, salientou que "o controlo de temperatura no processo é fundamental e contribui para a melhoria da qualidade do vinho" e "uma estreita relação profissional entre o produtor e o enólogo, os projetistas, o instalador e o fabricante dos equipamentos, resulta na produção de vinhos com melhor qualidade".
Seguiu-se um momento de debate, com a moderação do engenheiro Jorge Carvalho, que salientou aspetos importantes nestes projetos, nomeadamente:
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Agriterra - Informação profissional para a agricultura portuguesa