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Informação profissional para a agricultura portuguesa

Olival português em transformação estrutural

Ana Clara23/06/2022

O olival moderno é responsável por 80% da produção nacional de azeite, estando Portugal posicionado como o 8.º maior produtor mundial de azeite, com produtividades recorde no Alentejo que podem ter chegado – em 2021 – às 20 toneladas por hectare, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Já de acordo com a Pordata, em Portugal, as culturas agrícolas que ocupam mais superfície são (precisamente) o olival (4,1% do território), seguido dos cereais (2,3%) e da vinha (1,9%).

Em 2020, Portugal foi o quarto maior produtor de olival (723.000 toneladas)
Em 2020, Portugal foi o quarto maior produtor de olival (723.000 toneladas).

Portugal garante, desde 2014 a sua autossuficiência em azeite e as exportações têm crescido de forma marcada nos últimos anos, ao atingirem 500 milhões de euros em 2017, cerca de 600 milhões, em 2020, e com a perspetiva de superação deste valor agora em relação ao ano 2021.

Em 2020, Portugal foi o quarto maior produtor de azeitona (723.000 toneladas) entre oito países da União Europeia com produção nesse ano. A Espanha foi o maior produtor (8,1 milhões de toneladas), seguida por Itália (2,2 milhões de toneladas) e Grécia (1,3 milhões de toneladas), segundo a Pordata. Dizer também que, de acordo com os dados recolhidos pela Pordata, o nosso País atingiu em 2019 o recorde da produção de azeite, com 1,5 milhões de hectolitros.

Mas, que radiografia podemos fazer sobre o olival português? Que desafios e dificuldades tem pela frente? Francisco Mondragão Rodrigues, professor coordenador do Departamento de Ciências Agrárias e Veterinárias da Escola Superior Agrária de Elvas, traça à Agriterra um diagnóstico da fileira.

“O olival português está, desde há cerca de uma década, a sofrer uma grande transformação estrutural, fruto de dois fatores importantes: a plantação (quase exclusiva) dos novos olivais em sistema de condução em sebe (vulgo, superintensivo) e a disponibilidade de água proporcionada pelo EFM do Alqueva na região Alentejo. Isto fez com que a proporção de área de olival altamente produtivo aumentasse, sobretudo no Alentejo, explicando o aumento continuado da produção nacional de azeite nos últimos anos, à medida que estes novos olivais vão entrando em produção”, afirma.
Passamos de um País deficitário em azeite, com produções em torno às 60.000 t e um consumo nacional de 80.000 t no início da década anterior, para um País superavitário, a partir de 2014, prossegue. E, brevemente, “chegaremos às 200.000 t de azeite por ano, com o valor das exportações deste produto a ultrapassar os 600-700 milhões de euros anuais”.

Mas “nem tudo são rosas”, adverte o especialista. Há uma parte do olival nacional com “sérias dificuldades em se manter rentável, nomeadamente, os cerca de 100.000 ha de olival tradicional de sequeiro”. Nestes olivais, situados em terrenos marginais, por vezes de montanha, “a impossibilidade de mecanização aliada à diminuição de mão de obra disponível irá colocar grandes áreas de produção numa situação de impasse”. Por outro lado, “a modernização do olival está assente num sistema de condução (olival em sebe) para o qual se dispõe apenas de variedades estrangeiras adaptadas, o que está a conduzir à perda de genuinidade do azeite português, que dependia das variedades exclusivamente nacionais”.

Para Mondragão Rodrigues, Portugal conseguiu um feito notável na última década, “que foi mais que duplicar as suas produções de azeite, aumentando simultaneamente a qualidade do azeite produzido, sendo que nas últimas campanhas o azeite de qualidade (Azeite virgem extra + azeite virgem) correspondeu, em média, a cerca de 95% do total do azeite produzido”. “O aumento drástico da proporção do azeite dos olivais modernos, no total do azeite nacional, explica uma boa parte deste resultado; o aparecimento de novos lagares com grande capacidade de receção e de nova tecnologia explica outra parte e a profissionalização do setor explica o resto. Tudo melhorou: mais e melhores olivais altamente produtivos; mais e melhores lagares e melhores práticas culturais no olival, em particular uma maior atenção no momento e na forma como se realiza a colheita, para manter a azeitona sã (ou seja, de qualidade)”, explica o académico.

"Tudo melhorou: mais e melhores olivais altamente produtivos; mais e melhores lagares e melhores práticas culturais no olival, em particular uma maior atenção no momento e na forma como se realiza a colheita, para manter a azeitona sã (ou seja, de qualidade)”, diz Mondragão Rodrigues

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Tecnologia aliada dos olivais modernos

A tecnologia tem ajudado o setor em índices de qualidade e, na opinião de Francisco Mondragão Rodrigues ela está cada vez mais presente nos olivais modernos. “Há sondas de monitorização da humidade do solo para melhorar a gestão da rega; há levantamentos periódicos do estado do olival usando deteção remota (drones e imagens de satélite) e de índices de vegetação (NDVI e NDWI) para detetar necessidades de intervenção; há uma monitorização da evolução da maturação para determinar o momento ótimo da colheita”.
E não são só os milhares de hectares dos novos olivais que fazem uso desta tecnologia avançada/aplicada, também muitos dos olivais intensivos de regadio e alguns de sequeiro, com algumas décadas de existência, também estão a beneficiar destes avanços no apoio à tomada de decisão. “A adoção alargada da produção integrada e, em menor escala, do modo de produção biológico tem também ajudado a manter uma maior vigilância da sanidade dos olivais, contribuindo para a obtenção de azeitonas mais sãs e, por isso, de melhores azeites”, acrescenta.

Estudo das variedades

O professor universitário refere que no que respeita ao estudo académico há várias instituições de ensino superior (Politécnico de Portalegre, Universidade de Évora, Politécnico de Castelo Branco e Politécnico de Bragança, maioritariamente, e Politécnico de Beja e Politécnico de Santarém, em menor escala), e até o próprio ministério da Agricultura através do INIAV, que têm desenvolvido numerosos estudos sobre as variedades nacionais de oliveira, tentando caraterizá-las para avaliar a sua produtividade e adaptação às diferentes condições edafoclimáticas, bem como para determinar quais as melhores práticas agrícolas para a obtenção do máximo da sua rentabilidade.
“O Politécnico de Portalegre e a Universidade de Évora têm em curso, atualmente, um projeto de disseminação do conhecimento obtido sobre 6 variedades tradicionais portuguesas junto dos seus principais interessados: olivicultores e suas organizações representativas. Continua a haver olivicultores interessados em plantar variedades nacionais, mas que precisam de mais informação para aumentar a produtividade e diminuir os custos de produção. Relativamente às variedades estrangeiras são maioritariamente as empresas responsáveis pelas ‘plantações chave-na-mão’ que facultam a informação necessária para a sua adequada condução e exploração”, afirma.

Alterações climáticas

As alterações climáticas já estão a afetar a agricultura portuguesa, “embora o olival ainda não demonstre efetivamente o impacto que provocam”, frisa Mondragão Rodrigues, adiantando que “tem havido algumas alterações do ciclo da cultura, com adiantamento no calendário de algumas fases importantes (abrolhamento, floração, colheita)”, mas “ainda sem grandes impactos na produção final”.
“Será certamente com o agravamento da intensidade dessas alterações climáticas, nomeadamente com a redução efetiva da precipitação anual, o aumento das temperaturas anuais e a diminuição do frio invernal, que se fará sentir o seu efeito no olival nacional. Menos horas de frio no inverno terão um impacto negativo na floração, com diminuição da produção potencial, que será posteriormente prejudicada por uma menor disponibilidade hídrica, por ocorrer menor precipitação. As temperaturas mais elevadas durante o ciclo poderão ainda afetar negativamente a floração, o vingamento e a acumulação de azeite nas azeitonas durante a maturação”, acrescenta.
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Mas alerta: “só será possível manter olivais de sequeiro rentáveis, em solos muito férteis e com grande capacidade de retenção de água, em zonas de altitude (onde continuará a haver precipitação suficiente e menor evapotranspiração) e no norte do País, onde o clima continuará ainda assim propício para uma olivicultura de sequeiro”.

Tecnologia versus sustentabilidade

No caso do Alentejo, por exemplo, a cultura do olival ocupa a maior área de Alqueva. Como é que se pode aliar a tecnologia à sustentabilidade da cultura e potenciar igualmente o desenvolvimento económico?
À pergunta, o professor é claro: “a tecnologia é essencial na manutenção da sustentabilidade dos olivais de alta produção. Há que monitorizar constantemente os recursos naturais, para fazer uma gestão eficiente da água, dos fertilizantes e dos outros agroquímicos aplicados aos olivais modernos. Evitam-se assim os problemas de contaminação, de sobreexploração dos recursos e da diminuição da biodiversidade”.
Vários estudos em curso, nomeadamente da Universidade de Évora (projetos 'SustainOlive' e 'OleaAdapt'), “mostram que há correções a fazer, mas que é possível manter uma ‘intensificação sustentável’ da cultura. Os equipamentos e técnicas anteriormente referidos (deteção remota, sondas, etc.), bem como a instalação de caixas-abrigo para morcegos e aves com vista a reduzir naturalmente as populações de algumas pragas do olival (e assim diminuir a aplicação de fitofármacos), a instalação de sebes funcionais, de pontos de água (charcos e bebedouros) ou do enrelvamento devidamente gerido permitem aumentar a biodiversidade”.
Também a condução dos olivais segundo os modos de produção sustentáveis (produção integrada e agricultura biológica) “vai também permitir reduzir a pegada química desta cultura”. “Começa a haver em muitos destes produtores a preocupação em medir a pegada hídrica e a pegada de carbono. A aprovação e implementação do ‘Programa de Sustentabilidade dos olivais/azeites do Alentejo’ (já concluído e em fase de avaliação pelas entidades oficiais) vai dar um importante contributo para a consolidação da imagem de produção intensiva sustentável da olivicultura da região do Alentejo, num primeiro momento, e certamente de outras regiões do País, posteriormente. Quem viaja pelas regiões da nova olivicultura nacional não tem dúvidas que esta cultura contribuiu para um progresso e modernização da agricultura local e para um franco desenvolvimento económico regional, criando mais valias e gerando emprego”, considera Francisco Mondragão Rodrigues.

Projetos ‘Oleavalor’ e ‘Gescertolive’

A Escola Superior Agrária de Elvas (Politécnico de Portalegre), juntamente com a Universidade de Évora, através do seu centro de investigação MED, têm desenvolvido, na última década, vários projetos que visam a valorização das variedades de oliveira portuguesas (Projetos 'Oleavalor' e 'Gescertolive').

Francisco Mondragão Rodrigues explica que "têm sido realizados estudos para resolver alguns constrangimentos destas variedades, que lhes retiram competitividade, nomeadamente a baixa taxa de enraizamento aquando da multiplicação no viveirista (por isso menos interessantes economicamente) e a menor rentabilidade atual dos seus olivais (por menores produções médias e uma estrutura de custos mais pesada)".

Os resultados obtidos, em divulgação desde 2020 através do projeto 'Gescertolive', mostram que é possível resolver estes problemas: já se conseguiu uma forma de aumentar drasticamente a taxa de enraizamento de variedades como a 'Galega vulgar' (protocolo em fase de registo de patente) e já há boas práticas culturais apuradas, nomeadamente uma poda racional e de menor custo, uma gestão simplificada da rega (com menores consumos e gastos económicos) e uma fácil determinação do momento ótimo de colheita (para obtenção de mais azeite e de melhor qualidade).

"Todos estes aspetos, agora em fase de divulgação, permitem contribuir para um aumento da competitividade das variedades nacionais, incrementando produções e reduzindo custos. Continuam os estudos da Escola Superior Agrária de Elvas sobre a valorização da qualidade dos azeites de 'Galega vulgar' e de 'Cobrançosa', em parceria com o CEBAL e a ACOS, com vista a encontrar evidências diferenciadoras da qualidade nutritiva e para a saúde, nomeadamente, através dos teores em substâncias fenólicas e dos perfis de ácidos gordos", esclarece o académico.

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