Chaparro Agrícola e Industrial, S.L.
Informação profissional para a agricultura portuguesa
“As nossas florestas carecem de uma gestão ativa para mitigar o risco de incêndios e de dispersão de pragas e doenças”

Entrevista com António Gonçalves Ferreira, Presidente da UNAC

Ana Clara30/06/2022

Alterações climáticas, incêndios, pragas e doenças e a gestão florestal são alguns dos temas que marcam a sustentabilidade das florestas portuguesas. Para António Gonçalves Ferreira, “apesar do que se tem feito, e do que os agentes têm proposto, o País não está preparado para o combate a estes desafios”. E explica porquê nesta entrevista. Para o Presidente da União da Floresta Mediterrânica (UNAC), “a sustentabilidade económica, social e ambiental é o desafio de longo prazo” do setor.

"Temos duas grandes fileiras florestais – a cortiça e a pasta de papel - que são exportadoras...

"Temos duas grandes fileiras florestais – a cortiça e a pasta de papel - que são exportadoras, com uma balança comercial positiva e as melhores no panorama europeu e até mundial", diz o Presidente da UNAC.

Quais são, para a UNAC, os principais desafios da floresta portuguesa em 2022?

A partir de dezembro de 2019, com o Pacto Ecológico Europeu, a importância das florestas portuguesas, e não só, foi reconhecida em termos do combate às alterações climáticas. Esse é, neste momento, o maior desafio que se coloca internacionalmente e que está diretamente ligado aos desafios nacionais – a prevenção em termos de incêndios florestais, a gestão agrupada das áreas de minifúndio e a transmissão fiável e realista à sociedade da relevância da floresta nos seus pilares de sustentabilidade – viabilidade económica, desenvolvimento rural e conservação de valores de biodiversidade e habitats.

As alterações climáticas, os incêndios, as pragas e doenças, mas também a gestão florestal são apenas alguns dos temas que marcam a sustentabilidade das florestas portuguesas, como refere. Como está o País preparado (e o que se tem feito) para dar resposta a estes problemas que afetam, e muito, o setor?

Apesar do que se tem feito, e do que os agentes do setor têm proposto, o País não está preparado para o combate a estes desafios. Ao nível da problemática dos incêndios, a necessária transição do combate para a prevenção, para além de legislação e fiscalização, precisa de estratégia e mecanismos de compensação adequados aos proprietários florestais sobre os quais caiu desde 2017 o ónus da prevenção, nomeadamente nas áreas periurbanas. Esta deve ser uma competência do Estado, a defesa das populações, tendo necessariamente os proprietários florestais de serem ressarcidos desse custo, em florestas com as caraterísticas sócio económicas como as nossas – taxas de recuperação de capital de longo prazo e estruturas fundiárias que dificultam a rentabilidade da gestão e exploração florestal.

No combate às pragas e doenças, a situação é igualmente difícil. Este combate só é possível com muito conhecimento e investigação, em projetos de longa duração, e os modelos de financiamento da investigação em Portugal não conseguem assegurar a estabilidade desta pesquisa. Para além disso, para combater pragas e doenças é preciso conhecer, em tempo real, o que está a acontecer, e não existem mecanismos de monitorização da sanidade florestal em curso atualmente disponíveis.

Com uma extensão superior a três milhões de hectares, a floresta é o principal uso do solo em Portugal e ocupa mais de um terço do País. Contudo, a desertificação e algumas más políticas na área do desordenamento têm prejudicado o bom uso da floresta nacional. Quais têm sido os principais erros cometidos e onde é essencial trabalhar de forma intensiva?

A desertificação não irá atingir o território nacional de forma indiferenciada. Será principalmente no sul e no interior que estes fenómenos serão sentidos com maior intensidade e com consequências diretas em termos da perda de produtividade dos ecossistemas florestais. Nestes territórios, onde os sistemas agroflorestais são dominantes, a presença de espécies como o sobreiro, a azinheira, o pinheiro manso, o castanheiro, entre outras, tem um papel determinante em termos da conservação do solo e dos recursos hídricos, sendo a primeira barreira à desertificação. Todos estes sistemas têm um modelo de exploração em regime extensivo de muito baixa intensidade, que precisa de ser apoiado com as ferramentas adequadas, como por exemplo os eco-regimes previstos na PAC para os próximos anos.
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Com um volume de negócios de 9,8 mil milhões de euros na indústria de base florestal e de mais de 952 milhões de euros nas empresas silvícolas em 2019, a economia da floresta tem um impacte muito significativo na economia do País. De que forma este quadro tem sido relevante para Portugal olhar para a floresta como um setor estruturante?

Temos duas grandes fileiras florestais – a cortiça e a pasta de papel - que são exportadoras, com uma balança comercial positiva e as melhores no panorama europeu e até mundial, complementadas ainda com uma forte indústria da fileira do pinheiro bravo que, em conjunto, asseguram milhares de postos de trabalho, muitos dos quais em regiões desfavorecidas e em processo de desertificação rural. Apesar das mais-valias que estas fileiras trazem ao País, não só económicas, mas também sociais e ambientais, existem inúmeros entraves à realização de investimentos em qualquer uma das fileiras.

No caso do eucalipto, estes entraves estão principalmente relacionados com a má imagem que esta espécie ganhou nos anos 80, e onde todo o conhecimento e alterações à gestão que foram realizados nos últimos 40 anos têm sido incapazes de alterar esta perceção da sociedade que tanto tem condicionado o poder político. No caso do sobreiro, e também do pinheiro bravo, as dificuldades surgem mais pela via da burocratização e excessivo peso de todos os processos administrativos que pendem sobre estas fileiras, e que muito condicionam o rápido acesso às medidas de apoio disponíveis no PDR2020 e a realização atempada de medidas de gestão como os desbastes ou os abates fitossanitários.

Claro que a restruturação do setor florestal para potenciar estas, e as outras espécies florestais presentes no território, carece da resolução de problemas de base determinantes em termos de viabilidade económica, que é aqui o principal vetor de transformação, lado a lado, com as questões sociais e ambientais.

Qual o verdadeiro impacto – presente e futuro – que terão as alterações climáticas na sustentabilidade da floresta portuguesa?

Como resultado de um projeto em que a UNAC esteve recentemente envolvida (RIAAC AGRI - Rede de impacto e adaptação às alterações climáticas nos setores agrícola, agroalimentar e florestal), as alterações climáticas terão impactos distintos ao nível das florestas no território. Se no caso do sul do País estes impactos serão principalmente de perda de produtividade dos montados de sobro com eventual substituição pela azinheira e migração dos sobreiros mais para o centro e norte de Portugal, já no litoral norte, o aumento da temperatura, poderá conduzir a aumentos de produtividade no pinheiro bravo e no eucalipto.

Estas alterações na produtividade têm depois como consequências uma menor ou maior viabilidade económica, respetivamente, o que conduzirá à alteração de uso do solo numas áreas e à promoção das espécies noutras regiões com impactos muito relevantes no desenvolvimento rural das zonas mais sujeitas à desertificação. Estes cenários de um futuro próximo deveriam estar já a ser considerados nas estratégias de investigação, ordenamento e planeamento do território dos próximos anos.

Solo e desflorestação

Os solos são outro tema sempre preocupante. O que tem sido feito nesta matéria?

Nomeadamente nas intervenções nos sistemas agroflorestais, muito se evoluiu nas últimas décadas, passando o controlo da vegetação espontânea a ser realizado sem mobilização do solo, contribuindo desta forma para a diminuição dos riscos de erosão e também para o aumento do sequestro de carbono. Tradicionalmente, estes sistemas recebem poucos inputs externos em termos de fertilização, pelo que a poluição dos solos não é aqui um risco relevante como em outros setores de atividade primária.

A presença do gado através de uma atividade pecuária extensiva é também relevante na conservação dos solos, diminuindo a necessidade de intervenções mecanizadas, e sendo promovida a instalação de pastagens melhoradas, em algumas zonas com períodos de permanência superiores a 10 anos sem qualquer mobilização.

A desflorestação é a segunda causa global das alterações climáticas recentes, depois da queima de combustíveis fósseis. Que medidas considera a UNAC essenciais para mitigar o problema?

Quando se fala em desflorestação, normalmente esta está associada a alterações do uso do solo de floresta para outra utilização, nomeadamente a agrícola. A nível nacional, a tendência é precisamente a inversa, com a conversão de áreas agrícolas em áreas florestais.

O principal problema aqui é a perda de coberto que está a ocorrer nas áreas de montado para sistemas cada vez mais abertos, de reduzida densidade arbórea, quer pela mortalidade das árvores quer pela fragilidade dos processos de regeneração natural e artificial, onde os efeitos das alterações climáticas têm dificultado a instalação/ adensamento de novas áreas.

A mitigação deste problema pode ser obtida com maior investimento no melhoramento florestal, quer procurando indivíduos mais resistentes ao stress hídrico, quer complementando as técnicas silvícolas com recursos tipicamente agrícolas como é a irrigação nos primeiros anos, para que as plantas desenvolvam sistemas radiculares suficientemente robustos que permitam a sobrevivência a longos períodos de estio sem precipitação.

A floresta portuguesa é essencialmente privada. Mas a falta de cadastro da propriedade florestal impede que se conheça, ao certo, o número de proprietários. Como avalia esta situação tantas décadas depois e que impactos tem na sustentabilidade económica da floresta nacional e também da agricultura, na sua transversalidade?

A ausência de cadastro tem como consequência a não gestão e o abandono, para além da pulverização da propriedade em microparcelas. As ferramentas atuais de elaboração de cadastro simplificado podem ajudar a melhorar este problema, mas o tempo que levará até que todo o País disponha de cadastro é demasiado longo. A promoção de uma gestão agrupada é uma das soluções possíveis para implementação em simultâneo, mas também aqui os modelos que foram implementados no passado, nomeadamente as zonas de intervenção florestal, não tiveram continuidade, nem as causas de sucesso e insucesso foram devidamente avaliadas antes do surgimento de novos enquadramentos como as EGF – entidades de gestão florestal ou as AIGP – áreas integradas de gestão da paisagem.

“Nas intervenções nos sistemas agroflorestais, muito se evoluiu nas últimas décadas, passando o controlo da vegetação espontânea a ser realizado sem mobilização do solo, contribuindo desta forma para a diminuição dos riscos de erosão e também para o aumento do sequestro de carbono”

Como podem as tecnologias – imperiosas nos tempos atuais – ajudar a tornar as florestas portuguesas mais resilientes?

As tecnologias terão de substituir e agilizar processos manuais, de elevado custo e investimento temporal. A mecanização de algumas operações como o descortiçamento ou a apanha de pinhas é indispensável pela falta de mão de obra disponível e também pela melhoria das condições de segurança dos operadores florestais. A deteção de árvores secas ou doentes é já hoje uma realidade que será potenciada nos próximos anos, permitindo uma atuação mais rápida em termos de prevenção da disseminação de pragas e doenças.

“A exploração do recurso (biomassa) tem de ponderar os impactos sobre o ciclo de reposição dos nutrientes ao solo”...

“A exploração do recurso (biomassa) tem de ponderar os impactos sobre o ciclo de reposição dos nutrientes ao solo”.

Como olha para o investimento na área da biomassa e no aproveitamento renovável da floresta?

A utilização da biomassa florestal tem sido apontada como uma possibilidade para a diminuição da carga combustível nas florestas e consequentemente para a diminuição do risco de incêndio. Mas a implementação desta estratégia teria de ocorrer a uma escala local, onde os custos de transporte da biomassa sejam viáveis economicamente. A exploração deste recurso tem ainda de ponderar os impactos sobre o ciclo de reposição dos nutrientes ao solo.

Seria ainda de ponderar a utilização de culturas/espécies florestais e modelos de produção dedicados à biomassa, diminuindo desta forma a pressão sobre os recursos florestais com potencial de produção de material lenhoso de maior qualidade e mais valorizado.

A Comissão Europeia já colocou em prática a nova Estratégia Florestal Europeia (EUFS) para 2030, no âmbito do Pacto Ecológico Europeu. A estratégia contribui para o pacote de medidas proposto para atingir a redução de, pelo menos, 55% das emissões de gases de efeito de estudo (GEE) até 2030. Como olha para este intento?

O contributo de Portugal para este objetivo passa pela redução da área ardida e pela arborização de novas áreas, estratégias em tudo alinhadas com os desejos do setor. Salientamos, porém, que a Estratégia Florestal Europeia conduz uma parte substancial dos esforços para a conservação da natureza, através de técnicas de não gestão, renaturalização ou de silvicultura próxima da natureza, o que em ecossistemas mediterrânicos pode vir a aumentar o risco de incêndio. As nossas florestas carecem de uma gestão ativa para mitigar o risco de incêndio e de dispersão de pragas e doenças, garantindo desta forma a conservação dos inúmeros atributos ambientais existentes.

“Produtores florestais detêm mais de 97% da floresta nacional”

Olhando para os produtores florestais, qual o panorama atual do trabalho das empresas em Portugal?

Os produtores florestais detêm mais de 97% da floresta nacional, se contabilizarmos os baldios, e são os principais agentes de mudança do território, reagindo a estímulos financeiros, fiscais e/ ou sociais. Sempre que existem condições de produção, exploração e viabilidade económica, a floresta é gerida em todas as suas vertentes, incluindo a vertente ambiental.

Esta realidade tem de ser considerada nas políticas nacionais, elaborando estratégias promotoras das alterações que se pretendem atingir, mas não por via da penalização, que na maioria das vezes conduz ao abandono ou à alteração de uso do solo, quando a mesma é legalmente possível.

Falando da UNAC e do seu trabalho, que objetivos tem e que radiografia se pode traçar da floresta mediterrânica?

Os objetivos da UNAC são a proteção da floresta mediterrânica e o desenvolvimento do mundo rural, promovendo e defendendo os interesses económicos e sociais da região em geral e dos seus associados.

Para isto, em conjunto com as seis organizações de produtores florestais filiadas, abrange uma área de intervenção superior a 700.000 ha no centro e sul do País, onde promove, desenvolve e apoia todas as ações conducentes à defesa dos direitos da propriedade privada, à valorização económica dos espaços florestais, à promoção dos sistemas produtivos cortiça, lenho e fruto, à integração dos espaços florestais no desenvolvimento rural, à valorização socioeconómica do espaço florestal e da sua função ambiental e ao fomento da biodiversidade.

Em que projetos estão envolvidos?

Tendo por objetivo aumentar o conhecimento disponível e dar respostas aos problemas dos proprietários florestais na gestão dos sistemas agroflorestais mediterrânicos, a UNAC tem estado envolvida em diversos projetos de I&D, nos quais assegura a interface Investigação – Proprietário florestal e faz depois a tradução e transferência dos resultados para a aplicação prática. Os grupos operacionais dedicados ao sobreiro e ao pinheiro manso são disso um exemplo recente, que permitiu obter resultados para a fertilização racional destas espécies, e para a prevenção de pragas e doenças.

Também ao nível dos mercados emergentes, como serão o pagamento de serviços de ecossistema, liderámos o projeto ECOPOL com o IST – Instituto Superior Técnico, para a quantificação dos serviços de ecossistema providenciados pelos montados de sobro e de azinho, cujos resultados podem constituir a base para um eco-regime na futura PAC.

Por fim, como olha para a floresta portuguesa a longo prazo e que desafios essenciais temos pela frente?

A sustentabilidade económica, social e ambiental é o desafio de longo prazo, onde o peso de cada um destes três pilares tem necessariamente de ser equilibrado.
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