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Informação profissional para a agricultura portuguesa

Agroflorestal é mais do que “apenas” floresta

Alexandra Costa11/05/2022
Setor, que contribui com cerca de 2,5% para o PIB nacional, enfrenta desafios não só das alterações climáticas (seca e incêndios) como da atividade humana. É preciso ter uma visão abrangente, de forma a saber onde investir.
As alterações climáticas são um dos grandes desafios do setor agroflorestal

As alterações climáticas são um dos grandes desafios do setor agroflorestal.

Há quem pense que a floresta ou, para sermos mais corretos, o setor agroflorestal, não traz valor acrescentado ao País. São só umas árvores que estão ali plantadas. Nada mais errado. Em 2019, a indústria de base florestal registou um volume de negócios superior a 9,8 mil milhões de euros. Só por aqui dá para perceber que tem um impacto significativo nas contas nacionais. Como explica Francisco Ferreira, presidente da Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável, o setor, em termos do Valor Acrescentado Bruto (VAB) agregado para a agricultura, a silvicultura e a pesca correspondeu, em 2019, a cerca de 2,4% do total.

Os dados provisórios para 2020 apontam para, aproximadamente, o mesmo valor para este conjunto de setores. O INE estima que, em 2021 o valor terá sido ligeiramente superior em relação ao total, de 2,5%. Sendo que estes valores, alerta o ambientalista, apenas captura uma ótica de produção, descurando outros efeitos mais indiretos sobre a economia, como os impactes socioambientais, por exemplo os efeitos destas atividades na demografia e no estado dos ecossistemas.

“Ao nível da geração de emprego, estes setores correspondem a uma fatia muito reduzida do total nacional, com muitas situações de subemprego e precariedade laboral”, constata Francisco Ferreira, que refere que a última nota trimestral do GPP (3º trimestre de 2021) aponta para uma taxa de emprego de 2,8% do total nacional. “O número de pessoas a trabalhar nestes setores tem registado uma diminuição consistente nas últimas décadas”, conclui.

Mas a questão da escassez de recursos humanos não é o único desafio que o setor enfrenta. Como aponta Sofia Santos, Sustainability Champion in Chief da Systemic, a ainda a fragmentação das parcelas em áreas pequenas que podem tornar difícil a aplicação das melhores práticas de gestão sustentável florestal. A par disso há ainda que ter em conta um modelo de negócio ainda algumas vezes assente em subsídios, principalmente ao nível da produção alimentar e alguma relutância na aplicação de práticas de gestão mais sustentável, até porque os alguns dos subsídios no passado não tinha em conta ainda estas exigências, mas o novo quadro comunitário vai tê-los; conseguir evitar-se a plantação intensiva, bem como a plantação de produtos que consumam muita água, uma vez que a água é um bem muito escasso em Portugal e a irrigação intensiva não deve ser vista como a solução. Isto faz com que, na opinião da executiva, haja dificuldade em conciliar a produção agrícola com a manutenção dos serviços dos ecossistemas que permitem a existência dessa produção. “Um dos principais problemas é mesmo a capacidade de conciliar a produção com a manutenção da qualidade dos ecossistemas e dos seus serviços”, constata Sofia Santos.

A Zero, por seu lado, olha para o setor agroflorestal como conjunto muito diversificado de sistemas, que infelizmente não têm vindo a ser valorizados pelos serviços indispensáveis que providenciam à sociedade. Como refere Francisco Ferreira, o limbo, entre a necessidade de subsidiação e a procura de economias de escala e orientação para o mercados externos, em que se tem mantido a política pública nas últimas décadas tem levado ao descurar das necessidades contextuais dos territórios e as oportunidades de implementar modelos de desenvolvimento de base local, levando à contínua hemorragia de empregos e ao esvaziamento do interior que é uma consequência algo abrangente das políticas governamentais para as zonas rurais.

A ambientalista considera que “a dita modernização do setor primário pode contar melhores indicadores de produção, mas o favorecimento de estruturas com grande escala e a política de ordenamento permissiva às monoculturas não se tem traduzido em ecossistemas mais resilientes e populações rurais mais prósperas, pelo que é necessário continuar a desafiar uma visão para as zonas rurais que seja capaz de colocar as comunidades locais no centro e fomentar a geração e valorização do conhecimento contextualizado nos territórios”.

Face a este cenário, a opinião de Francisco Ferreira é de que não se pode continuar a verificar o nível de desinvestimento no minifúndio e nos pequenos e médios produtores, deixando-os à mercê de uma captura do valor noutros elos da cadeia. “Instrumentos como a Política Agrícola Comum (PAC), que baseiam muitos dos seus apoios na dimensão da área gerida, pelo que devem transitar para formas de apoio que realmente valorizem os bens públicos gerados. Há que usar os fundos para o desenvolvimento rural para limitar a captura de valor nas cadeias por parte de intermediários, valorizando o preço no produtor e relações de consumo de maior proximidade”, afirma.

O investimento no setor é importante, não só pelo seu valor económico, como porque pode ser uma ferramenta no combate à desertificação do País...
O investimento no setor é importante, não só pelo seu valor económico, como porque pode ser uma ferramenta no combate à desertificação do País.

Além do Homem... as alterações climáticas

Se é certo que a atividade humana é, talvez, a que causa mais impacto e provoca mais desafios ao setor agroflorestal, este também tem de lidar com as alterações climáticas. Os períodos de seca são cada vez mais frequentes e prolongados e, muitas vezes, levam aos incêndios florestais. No entanto, a morfologia portuguesa, e na opinião da Zero, os impactes são diversos e nem todos serão negativos. Como explica o seu presidente, genericamente, as alterações climáticas em Portugal manifestam-se com um aumento da aridez de vários territórios, provocando dinâmicas que têm modificado os territórios florestais, reduzindo a área de aptidão bioclimática de determinadas espécies florestais, como é o caso do sobreiro. “Estas alterações levam também à emergência ou acentuação de riscos bióticos e abióticos. Algo manifestamente visível no que respeita aos incêndios florestais é o aumento de severidade devido à conjugação com ondas de calor e situações de seca prolongada”, aponta.

Não é por acaso que, como refere Sofia Santos, Portugal já foi identificado num estudo do Banco Central Europeu como um dos países com maiores riscos climáticos. “As alterações climáticas levam a uma maior probabilidade de ocorrência de incêndios e isso é algo que a floresta portuguesa conhece bem. Portanto, se nada for feito, a nossa floresta corre o risco de arder ainda mais com as alterações climáticas”, afirma, acrescentando que, no entanto, a floresta também faz parte da solução no combate às alterações climáticas, pois ao sequestrar carbono, consegue diminuir o impacte das alterações climáticas. “Ou seja, quanto mais se proteger a floresta, e mais ela conseguir ser ocupada do ponto de vista de valorização dos seus serviços dos ecossistemas, mais ela contribui para diminuir o risco de incêndio”, conclui Sofia Santos.

Já José Luís Carvalho, responsável pelo departamento de inovação florestal da Navigator, afirma que o problema da floresta não se resume aos incêndios. E que se deve olhar para eles antes de os mesmos acontecerem. E isso passa por “cuidar dos terrenos”. Porque quando há terrenos cuidados, quando as terras estão cultivadas, o “risco baixa drasticamente”. O especialista aponta ainda a necessidade de simplificar os processos. E dá como exemplo o replante de espécies. O que poderia ser algo simples torna-se complexo.

E o investimento no setor é importante, não só pelo seu valor económico, como porque pode ser uma ferramenta no combate à desertificação do País. Sobre isso Francisco Ferreira aponta que as florestas e as superfícies agroflorestais ocupam a maior parte da área do País, cerca de 47% segundo o COS 2018. Ou seja, o ordenamento florestal e as práticas de gestão da floresta manifestam-se no estado do território. “Há que ter em conta que quando falamos de desertificação o solo está no centro, ou seja, é o seu processo de degradação (física, química ou biológica) que causa a degradação das terras que constitui o processo de desertificação”, refere o ambientalista, acrescentando que a floresta protege alguns dos solos mais vulneráveis e produz um conjunto de serviços de regulação e de suporte que permitem desempenhar funções, por exemplo, de conservação da água e de prevenção da erosão.

No entanto, “infelizmente, a floresta de produção em Portugal tem sido também determinante no desordenamento dos muitos espaços rurais, levando a opções de risco na aposta em plantações monoculturais com espécies que aumentam a severidade potencial dos incêndios, por vezes implementadas em áreas desadequadas e com práticas lesivas dos ecossistemas, em particular do solo”.

A título de exemplo, a Zero destaca a emergente indústria de pellets, cuja procura por biomassa tem criado pressões sobre os sistemas florestais no sentido de se removerem mais materiais orgânicos que poderiam vir a contribuir para a incrementar a matéria orgânica dos solos, ao mesmo tempo que se coloca a queima de biomassa em competição com outros usos mais compatíveis com a sustentabilidade das florestas.

Sofia Santos, por seu lado, tem uma visão mais economicista da questão. Como refere a executiva, “deveríamos conseguir olhar para a floresta como um potencial de economia regenerativa integrada, capaz de criar atividade económica e de manter a qualidade dos serviços dos ecossistemas, conseguir olhar para a floresta como um potencial de economia regenerativa integrada, capaz de criar atividade económica e de manter a qualidade dos serviços dos ecossistemas. O setor agroflorestal deveria ser visto como um setor inovador, inclusivo e com um imenso potencial de originar vários produtos e serviços. Com esta abordagem, de floresta e agricultura como setor económico inovador, teríamos um número crescente de jovens e técnicos a querer criar atividade económica na floresta. É possível criar atividade económica na floresta sem a destruir.”

É frequente falar-se que a tecnologia ajuda o homem e o meio ambiente. No caso específico do setor agroflorestal, isso pode não ser bem assim. Pelo menos em Portugal, dado que, como aponta Francisco Ferreira, há lacunas fundamentais, como a ausência de mecanismos eficazes de produção de conhecimento contextualmente relevante e a sua dispersão pelos territórios. “Não existe extensão rural nem articulação entre estruturas que permita criar algo funcionalmente equivalente. Mesmo os AKIS (Agricultural Knowledge and Innovations Systems) implementados por força dos quadros comunitários de apoio estão muito longe de serem funcionais, devido à sua fragmentação e falta de coordenação”, afirma o ambientalista. A par, claro, da eterna questão dos orçamentos. “As verbas públicas que estão previstas para a produção de conhecimento e serviços de apoio são irrisórias. Veja-se a verba prevista para medidas diretamente ligadas ao conhecimento que é inferior a 1% do financiamento previsto para o Plano Estratégico da PAC para Portugal”, constata Francisco Ferreira, que acrescenta que sem a produção e sistematização de conhecimento territorialmente relevante, e sem mecanismos para a sua dispersão aos agentes que fazem a gestão do território, é impossível fazer as melhores escolhas quanto às ferramentas a usar e a sua incorporação em velhos e novos modelos de gestão.

“Se ao invés de uma gestão florestal centrada no conhecimento nos focarmos num gestão condicionada por pacotes tecnológicos, estaremos a implementar sistemas modulares não integrados que poderão ter custos acrescidos, sobretudo no ponto de vista socio-ambiental. É um erro que já não temos justificação moral para voltar a cometer”, afirma.

O ambientalista considera que se deveria olhar para “abordagens e métodos de gestão que incorporam o conhecimento local e as condições socioambientais existentes, juntando-lhe o conhecimento de vanguarda produzido pela investigação científica no âmbito do funcionamento dos ecossistemas, em abordagens como a agroecologia (FAO)”. Só depois, então, incorporar a tecnologia adequada para maximizar os efeitos desejados.

A Navigator tem levado a cabo todo um conjunto de ações para preservar e desenvolver a floresta
A Navigator tem levado a cabo todo um conjunto de ações para preservar e desenvolver a floresta.

Produtores Florestais: o projeto da Navigator que ajuda os proprietários

A Navigator tem levado a cabo todo um conjunto de ações para preservar e desenvolver a floresta. Dirão ”ah, mas é do seu interesse”. Sim, é. Mas, como explica José Luís Carvalho, responsável pelo departamento de inovação florestal da Navigator, a empresa vai para além do que era suposto. A empresa criou o projeto Produtores Florestais onde apoia os proprietários florestais, dando formação sobre boas práticas florestais e apelando à certificação. Algo que não apenas beneficia o meio ambiente, mas, também, a carteira, porque a madeira certificada é valorizada acima da não certificada. A ajuda passa também pelo aconselhamento das melhores culturas e adubo a utilizar. Todo um conjunto de (boas) práticas que depois se vão traduzir, como refere José Luís Carvalho, em mais madeira, menor risco – os terrenos estão limpos e por isso há menos combustível nas matas – e em ser mais bem visto por parte da população.

O apoio da Navigator vai mesmo ao ponto de servir como “médico” quando um proprietário tem um problema e pede ajuda. Os técnicos da empresa deslocam-se à propriedade e tentam perceber se o problema se deve a falta de nutrientes ou a alguma praga, passam uma “receita” e acompanham o tratamento para ver se a questão fica efetivamente resolvida. “É um serviço totalmente gratuito”, afirma José Luís Carvalho, estando apenas condicionados à disponibilidade dos recursos. A receção ao novo programa da Navigator tem sido enorme.

“Para nós também é gratificante porque estamos a fazer a diferença, estamos a mudar e a ajudar as pessoas”, refere José Luís Carvalho. A par disto a empresa está a trabalhar no sentido de conseguir ajudar os proprietários a saberem exatamente que madeira (e quantidade) têm na sua propriedade. Utiliza ainda tecnologia como drones para controlar pragas e doenças.

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