Chaparro Agrícola e Industrial, S.L.
Informação profissional para a agricultura portuguesa

Entrevista com Albino Bento, Presidente do Centro Nacional de Competências dos Frutos Secos (CNCFS)

“Em Portugal, o setor dos frutos secos está em franco crescimento”

Ana Clara21/07/2022

Do amendoal à alfarroba, passando pela nogueira, castanheiro e avelã, todas as culturas de frutos secos em Portugal registam crescimento nos últimos anos em Portugal. Albino Bento, Presidente do Centro Nacional de Competências dos Frutos Secos (CNCFS), faz um diagnóstico do setor e elenca desafios e constrangimentos. As pragas e doenças, a água e as alterações climáticas são questões a ter em conta quando falamos na sustentabilidade do setor.

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"É claramente necessária mais experimentação/investigação nestas fileiras e um apoio mais próximo aos produtores, de forma a garantir a sustentabilidade económica e ambiental", refere Albino Bento.

Que radiografia se pode traçar atualmente do setor dos frutos secos em Portugal, tendo em conta que tem registado nos últimos anos bons indicadores de atratividade?

Em Portugal, o setor dos frutos secos (amendoeira, aveleira, castanheiro, pistácio e nogueira) está em franco crescimento, apresentando uma taxa de crescimento superior a 50% entre 2014 e 2020 (INE 2021).

Olhando para o caso particular de cada espécie, em 2020, tínhamos cerca de 51.700 hectares de castanheiros, 52.350 hectares de amendoeiras, 5.400 hectares de nogueiras, 325 hectares de avelãs e 14.450 hectares de alfarrobeiras.

A taxa de crescimento destas espécies, entre 2014 e 2020, foi variável, mas muito elevada:

  • A área de amendoeira cresceu 81%;
  • A aveleira até 2020 não mostrou grande dinamismo, mas nos dois últimos anos (2021 e 2022) observa-se grande interesse por parte dos produtores, com muita área plantada em Trás-os-Montes e Beira Interior.
  • A área de alfarroba cresceu 4%;
  • A área de castanheiro cresceu 46%;
  • A área de nogueira cresceu 83%.

Estes dados mostram-nos que as culturas que estão em franca expansão no nosso País são a amendoeira e a nogueira. Este crescimento está diretamente relacionado com a instalação de pomares intensivos no Alentejo e a renovação de pomares e novas plantações em Trás-os-Montes.

Paralelamente ao aumento da área têm surgido novas empresas de transformação em todas as fileiras, agregando maior competitividade ao setor.

Albino Bento
Albino Bento.

A área de produção tem aumentado na última década. Será mesmo possível, como tem sido dito por vários agentes do setor, que em breve podemos obter produções que nos permitam ser autossuficientes?

Sim, isso acontece na castanha e pinhão há muito tempo. No caso da amêndoa é possível que, no ano de 2021, Portugal tenha tido mais produção que o consumo. Se isso não sucedeu no ano 2021, certamente acontecerá em 2022 ou 2023, já que este ano no norte e centro do País existe uma quebra grande de produção. A produção potencial de amêndoa está muito acima do atual consumo e a amendoeira atinge rapidamente a plena produção.

No caso da noz, vai demorar ainda mais algum tempo até atingirmos a autossuficiência e no caso da avelã e pistácio, só a médio prazo. A aveleira e a pistaceira têm lenta entrada em produção, motivo pelo qual só a médio prazo será possível, se este ritmo de plantações continuar por mais alguns anos.

As culturas que estão em franca expansão no nosso País são a amendoeira e a nogueira. Este crescimento está diretamente relacionado com a instalação de pomares intensivos no Alentejo e a renovação de pomares e novas plantações em Trás-os-Montes

Que dados mais recentes nos pode dar a nível da produção e por cultura?

Os dados mais recentes apontam para uma produção de frutos secos de 120.850,12 toneladas e uma área de 124.489 hectares em 2020 (INE, 2022).

Em 2020 as culturas com maior expressão eram a castanha, com 42.182,51 toneladas e a amêndoa, com 31.609,94 toneladas, sendo que 58% da produção nacional de frutos secos encontra-se na NUTII Norte.

Por cultura, em 2020, Portugal atingiu as seguintes produções:

  • Alfarroba - 41.734 toneladas
  • Amêndoa - 31.609,94 toneladas
  • Avelã - 213 toneladas
  • Castanha - 42.182,51 toneladas
  • Noz - 5.110,67 toneladas (INE, 2022).

As condições edafoclimáticas são uma das causas que tem ajudado muito ao crescimento do setor. Por regiões, quais são as áreas de produção mais significativas?

Sim, Portugal tem condições edafoclimáticas muito interessantes para o cultivo de frutos secos no interior do País, de norte a sul. Por vezes, alguns elementos climáticos também complicam a vida aos produtores, como sucedeu este ano com a geada em abril, que destruiu a maioria da produção de amêndoa em Trás-os-Montes, Beira Interior e atingiu também parte significativa do amendoal em Espanha. Outro exemplo é a atual situação de seca severa que certamente vai influenciar a produção, especialmente na área de sequeiro.

Em Portugal, as regiões mais significativas na produção de frutos secos são Trás-os-Montes (amêndoa, avelã, castanha e noz) e o Alentejo (amêndoa e noz). Atualmente, a zona de Castelo Branco tem vindo a ganhar expressão no setor da amêndoa e o Ribatejo na noz.

Falando do regadio, no caso da amêndoa, onde muitos consideram o consumo de água excessivo. De que forma se tem trabalhado para unir tecnologia e rentabilidade? A nível nacional, como estamos hoje no acesso à água para a cultura dos frutos secos?

No acesso à água temos duas realidades diferentes, o Alentejo onde a quase totalidade da área de amendoal e nogal é regado e existe suficiente disponibilidade de água para as necessidades culturais e, a restante área de frutos secos do País, com área regada muito baixa e sem acesso a água. Por exemplo, em Trás-os-Montes apenas 10% da área de amendoal é regada e uma parte com disponibilidade escassa de água.

É urgente alterar este cenário, não só em Trás-os-Montes, mas também em parte da Beira Interior, Ribatejo e Algarve, pois o acesso ou não à água pode significar a viabilidade económica ou não das explorações.

Em termos de uso deste recurso e da produtividade da água, têm-se dado passos significativos no sentido do uso mais sustentável, de uma gestão mais eficiente. Reconhecemos que ainda existe um caminho a percorrer, mas para se poder falar com bases técnicas/científicas era necessária experimentação/investigação nesta área, de forma a poder dar informação confiável sobre o efeito de diferentes dotações de rega na produtividade, na qualidade, na sanidade, etc., em suma na sustentabilidade económica e ambiental.

“Paralelamente ao aumento da área têm surgido novas empresas de transformação em todas as fileiras, agregando maior competitividade ao setor”...

“Paralelamente ao aumento da área têm surgido novas empresas de transformação em todas as fileiras, agregando maior competitividade ao setor”.

Hoje é possível identificar já um número concreto de empresas que se dediquem exclusivamente aos frutos secos? Que carências ainda há a nível dos agricultores e da sua formação?

Existem muitas pequenas e médias empresas em que a atividade principal é a produção ou transformação e comercialização de frutos secos.

Existe ainda desconhecimento sobre o comportamento de algum material vegetal, sobre poda e a condução dar árvores, sobre as necessidades hídricas e quando/quanto regar, sobre a fitossanidade da amendoeira, muito influenciada pela rega, fertilização e a condução das árvores, etc.

É claramente necessária mais experimentação/investigação nestas fileiras e um apoio mais próximo aos produtores, de forma a garantir a sustentabilidade económica e ambiental.

Quais são, na sua opinião, os maiores constrangimentos que o setor atravessa?

Partindo do princípio que os atuais elevadíssimos custos de produção (combustível, energia, fertilizantes, pesticidas, etc.) são conjunturais e que, a breve prazo, tendem para valores próximos dos observados há um ano atrás, temos como principais desafios:

  • Recursos hídricos: urgente aumentar a captação e armazenamento de água para rega de diferentes espécies de frutos secos, em especial no norte do País, onde menos de 10% da área é regada, mas também no resto do País;
  • Conhecimento para a gestão eficiente da água: melhorar o uso da água de forma a tornar as empresas económica e ambientalmente sustentáveis;
  • Conhecimento técnico e científico: reforçar o conhecimento ao nível do material vegetal, das práticas culturais, da sanidade e meios de luta e da transformação e novos produtos;
  • Estrutura fundiária de parte do território;
  • Produção biológica: alguma legislação/inação das autoridades portuguesas colocando os agricultores portugueses numa situação difícil, face à concorrência desleal de produtores de outros países.

E que grandes desafios temos pela frente?

As alterações climáticas e recursos hídricos limitados, como se fez referência anteriormente. Além disso, a comercialização/forte concorrência em espécies como a amêndoa, o aumento dos problemas fitossanitários, a ausência de meios de luta para uma parte dos inimigos destas espécies de frutos secos e o possível agravamento desta situação, resultante da implementação do Pacto Ecológico Europeu e da Estratégia ‘do Prado ao Prato’, com previsível redução do número de pesticidas.

Falando das pragas e doenças que tantas vezes abordamos, em que ponto estão hoje os meios de luta e de que forma tem sido possível combater o problema?

É notório o aumento da importância da fitossanidade vegetal, com o aparecimento de novos inimigos (doenças e pragas) em diferentes espécies agrícolas e o agravamento da importância de alguns inimigos. Os frutos secos não são exceção.

Exemplo do referido foi o aparecimento da vespa-das-galhas-do-castanheiro e a recente maior importância das doenças de conservação da castanha, no caso do castanheiro. Noutras espécies, de referir a chegada a território nacional da Xylella (Xylella fastidiosa) que pode causar graves problemas no amendoal, mas também os maiores problemas registados ultimamente com o cancro (Diaporthe amygdali), a antracnose (Colletotrichum acutatum) e a mancha ocre (Polystigma amygdalinum). De salientar ainda, a bacteriose (Xanthomonas arborícola) ou a vespa-da-amendoeira (Eurytoma amygdali), problemas complicados em Espanha e que podem, a breve prazo, criar problemas em Portugal.

Esta situação é ainda mais complicada, dada a ausência ou reduzida disponibilidade de meios de luta eficazes para alguns dos inimigos associados a estas espécies (químicos ou não), situação que se pode agravar muito com a da implementação do Pacto Ecológico Europeu e da Estratégia 'do Prado ao Prato', como referido.

Como olha para o impacto das alterações climáticas no setor? Já se está a fazer sentir?

O clima das regiões mediterrânicas é caraterizado pela escassez e irregularidade da precipitação, em que os meses de maior secura coincidem com o período de maiores necessidades hídricas das culturas. Na região mediterrânica são esperadas reduções significativas da precipitação, aumento da evapotranspiração potencial e uma maior probabilidade de ocorrência de eventos extremos.

Para a sustentabilidade futura da produção dos frutos secos em geral, os produtores terão que lidar com a escassez de água e com a necessidade de implementar tecnologias de rega mais eficientes, aliadas a práticas de gestão da rega adequadas.

Apesar de a generalidade das espécies produtoras de frutos secos apresentarem alguma tolerância ao défice hídrico, é claro que a rega é um fator crítico para o aumento e regularidade interanual da produção e da qualidade.

Fale-me um pouco do trabalho do CNCFS e que projetos e desafios tem para o futuro a curto prazo?

O CNCFS tem estado a trabalhar ativamente no combate à vespa-das-galhas-do-castanheiro na região de Trás-os-Montes, sendo responsável pelo combate biológico a esta praga, bem como, pela produção do parasitoide Torymus sinensis Kamijo, usado no controlo biológico. Paralelamente estão a concluir alguns projetos (Grupos Operacionais), que abrangeram áreas sensíveis na cultura dos frutos secos, como a fitossanidade e a gestão do solo e da água.

Recentemente iniciaram três novos projetos: um PRIMA, com uma parceria internacional; um FCT de âmbito nacional, e; um da Rede Rural Nacional em que somos o único beneficiário. O primeiro está relacionado com o intercropping, o segundo com as doenças da amendoeiras e o terceiro com a divulgação de práticas agrícolas mais sustentáveis e o intercâmbio entre países e formas diferentes de se produzir frutos secos. Ainda este verão iremos promover uma visita técnica no âmbito deste último projeto, o #TreeNutsPlus.

Os desafios para o futuro passam pela capacitação do setor produtivo, para que este setor cresça cada vez mais e possa ter um produto com uma qualidade diferenciadora e competitiva. Paralelamente, um desafio constante é a defesa dos interesses dos associados e do setor junto das entidades governamentais e a procura de financiamento que permita desenvolver experimentação/investigação em áreas fulcrais como a rega, a fitossanidade, a pós-colheita, entre outros.

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