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Informação profissional para a agricultura portuguesa

Projeto ISOmap Forragem: transferência de tecnologia em agricultura de precisão e máquinas na produção de forragens

Luis Alcino da Conceição | Professor Adjunto do IPPortalegre; Coordenador do Projeto

Equipa INIAV | Teresa Carita, Nuno Simões, João Paulo Carneiro, Benvindo Maças

Equipa IPPortalegre | Rute Santos, Noémia Farinha, Luis Silva, Susana Dias, Luis Loures, Paulo Ferreira, Vera Barradas

28/10/2022
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A importância da sustentabilidade da produção de forragens nos sistemas extensivos de produção de bovinos na região do Alentejo e as novas tecnologias de agricultura de precisão são o enquadramento do projeto ISOmap Forragem, liderado pelo Instituto Politécnico de Portalegre em parceria com o polo de Elvas do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária. Os ensaios decorrem desde 2020 na herdade da Comenda, destacando-se neste artigo alguns dos resultados práticos já alcançados.

Financiado pelo programa Alentejo 2020, o Projeto ISOmap Forragem que agora entra na sua fase de conclusão, teve como principais objetivos:

1. Transferir conhecimento nas áreas da mecanização agrícola e agricultura de precisão para a melhoria da eficiência do uso de máquinas agrícolas com tecnologia assente na Norma ISO 11783 (ISOBUS) para aplicação a taxa variável de fatores de produção;

2. Dar a conhecer novas itinerários culturais na produção de culturas forrageiras compatíveis com a gestão sustentável dos recursos naturais como o solo e a água;

3. Criar uma rede de informação e transferência de conhecimento através de sinergias entre a investigação, o ensino superior e o setor empresarial agropecuário.

Segundo os Censos Agrícolas de 2019, o Alentejo mantém a sua posição líder na produção extensiva de ruminantes, e em particular de bovinos de carne. Sendo estruturalmente uma região caraterizada por condições edafoclimáticas do tipo Mediterrâneo, a produção de alimentos forrageiros é determinante para a suplementação destes efetivos nos períodos de carência de pastagem.

Contudo, esta realidade já dificultada pela constante revisão em alta dos preços dos fatores de produção face aos preços do produto, é ainda mais circunstanciada pela grande heterogeneidade meteorológica que se observa nos últimos anos, caraterizada pela redução drástica do regime de precipitação e ou concentração do mesmo em muito curtos períodos de tempo, e subida acentuada e prolongada da temperatura média do ar – condições que dificultam significativamente o regular desenvolvimento de culturas anuais de sequeiro e a realização das operações mecanizadas que lhes estão associadas.

Neste contexto, o projeto ISOmap Forragem, dando continuidade aos trabalhos iniciados no projeto MechSmart Forages, tem vindo a demonstrar na Herdade da Comenda em Caia (Elvas) técnicas e modos alternativos na gestão de culturas forrageiras, muitas delas com aplicabilidade a outras culturas da região, tanto anuais como permanentes.

Nas técnicas utilizadas, destaque para a sementeira direta, e na gestão destaque para a adoção de agricultura de precisão e para a norma ISO 1783 – ISOBUS em máquinas agrícolas.

Sementeira direta

A opção de sementeira direta prende-se diretamente com duas ordens de razões: i) a redução dos custos de operação com ganhos importantes resultantes do menor consumo de combustível por hectare, e ii) a médio e longo prazo, na melhoria das condições de fertilidade e da condução da água no solo, resultantes de menor exposição a fatores de erosão, e da menor compactação resultante de um menor número de passagem de máquinas.

Atendendo ao tipo de solos presente na parcela (Pag e Sr) de textura areno ou franco-arenosa, camada arável fina e percentagem moderada de calhau rolado à superfície, o itinerário de sementeira direta após trabalhos de regularização do micro relevo do solo, teve início em 2017 ainda no projeto MechSmart (Figura1).

No atual projeto ISOmap foram instaladas, tanto em 2021 como em 2022, culturas anuais consociadas de gramíneas e leguminosas e culturas em estreme, ambas dando preferência a espécies para cortes múltiplos assentes principalmente em variedades de azevém e triticale, quer pelo seu elevado valor nutricional e palatibilidade, quer pela quantidade de produção de matéria seca. As culturas foram instaladas com doses de sementeira 10 a 15% superiores às recomendadas para as respetivas espécies, de forma a reduzir as perdas por emergência, e antes da sementeira procedeu-se a uma rega para falsa de emergência, de forma a permitir realizar uma operação de monda química a taxa variável, cujo processo se explica adiante.

Figura 1...
Figura 1. Condição inicial da parcela que obrigou a trabalhos de espedrega para regularização do micro relevo superficial do solo e operação de sementeira direta. As operações de corte passaram a permitir eficiências de campo de 7,2 ha.h-1 fruto da conjugação de maior velocidade e largura de trabalho (9 m), esta garantida pela montagem de frentes de corte em barras de engate frontal e traseiro no trator.
Nos ensaios realizados com diferentes conjuntos trator/máquina operadora constatou-se uma importante poupança de combustível no trabalho realizado em faixas paralelas (6,7 litros por hectare medidos a partir da telemetria do trator) com a utilização de um semeador de sementeira direta de 3,0m de largura de trabalho quando rebocado por um trator de 114 kW de potência máxima com transmissão de variação contínua (CVT) e auto condução apoiada num sensor GNSS, quando comparado com o consumo de 23 litros por hectare ou de 30 litros por hectare realizado pelo mesmo trator a trabalhar com uma grade de discos ou um chísel, respetivamente. Outras das diferenças observadas com a técnica de sementeira direta, prende-se com o menor número de danos mecânicos causados às máquinas de corte e processamento da forragem resultante da paragem das operações de mobilização e da consequência que estas operações tinham no “levantar da pedra” no solo, danificando facas das gadanheiras e danos em máquinas de enfardar.

Agricultura de Precisão (AP)

Com o projeto ISOmap Forragem tornou-se possível consolidar e demonstrar um modelo de adoção de AP assente em duas fases (Figura 2), i) Análise preparatória – coleta de dados à instalação da cultura e ii) Análise do ciclo de produção - coleta de dados no decurso do ciclo de produção, que ao invés da visão clássica do ciclo deste processo de adoção dispensa a necessidade de cartas de produtividade como ponto de partida.
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Figura 2. Adoção e implementação de um modelo de AP em duas fases: análise preparatória e ciclo de produção, com relevo para a necessidade do conhecimento dos dados meteorológicos e georreferenciados do solo na primeira, e dos dados georreferenciados da monitorização das culturas na segunda.

Fase i – Análise preparatória

Nesta fase é importante conhecer a parcela no que respeita às caraterísticas topográficas e do solo que a constituem e à influência dos fatores meteorológicos locais. A avaliação do histórico dos dados meteorológicos com as previsões em campanha – nomeadamente dos valores de temperatura do ar, temperatura do solo e precipitação deve ter em conta a maior representatividade possível da área de produção de forma a avaliar a melhor combinação de parâmetros para, simultaneamente, determinar a data de sementeira e garantir uma boa emergência da cultura.

O conhecimento do solo pode agora ser completado com a criação e uma carta de condutividade elétrica aparente (CEa) obtida por um sensor geoelétrico, que em paralelo permite a georreferenciação da parcela e a determinação do modelo digital do terreno. Em função das diferentes classes de CEa encontradas pode então ser feita uma amostragem inteligente para obtenção de amostras de solo que poderá conduzir à criação de zonas distintas para gestão diferenciada da cultura tanto à instalação como na gestão ao longo do ciclo de produção.

A Figura 3 e o Quadro 1 mostram para a parcela o resultado da carta de condutividade elétrica aparente do solo aos 0,50m de profundidade (e área correspondente) incluindo curvas de nível e linhas de escorrimento de água da parcela; e a caraterização físico-química nos pontos amostrados para as classes de CEa até 25mS/m e acima de 25 mS/m.

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Figura 3...
Figura 3. Carta de CEa da parcela aos 0,50m de profundidade com identificação das curvas de nível, linhas de escorrimento de água (a azul) e pontos para amostragem inteligente do solo, e diagrama representativo de cada classe de CEa.
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Quadro 1. Caraterização físico-química do solo da parcela correspondente às zonas até 25mS/m de CEa (textura franco arenosa) e acima de 25 mS/m de CEa (textura franca)

Esta informação, além de ter permitido a definição das doses de fertilizante a distribuir à sementeira, permitiu aferir a montagem de dois sensores para avaliação do teor de humidade do solo, colocados um em cada uma das zonas de textura identificadas otimizando a gestão da rega quando necessária.

Fase ii – Análise do ciclo de produção

Ao longo do ciclo da cultura torna-se importante o acompanhamento dos dados meteorológicos, agora em conjunto com a informação do teor de humidade do solo; a monitorização sobre o estado vegetativo da cultura, a monitorização sobre a presença de plantas infestantes, e a monitorização da qualidade bromatológica que, de acordo com o estado fenológico, permite aferir o melhor aproveitamento da cultura.

No caso dos ensaios realizados, a água foi um fator determinante já que no ano de 2021 ocorreu um valor de precipitação acumulada de 562 mm entre setembro e maio enquanto no ano de 2022 apenas foram registados 272 mm. Estes valores associados a uma temperatura média idêntica em ambos os anos conduziram no segundo ano a um aumento da taxa de evapotranspiração só compensada pela possibilidade de regar, nomeadamente nos momentos mais cruciais à cultura como à fase do afilhamento e após a realização dos cortes no estado folhoso e início do encanamento.

Por deteção remota e pela determinação do Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI) obtido quer a partir de imagens da constelação Sentinel-2, quer a partir de uma plataforma aérea de baixa altitude - drone foi possível determinar dois tipos de informação: a presença de plantas infestantes, cuja assinatura espectral sendo distinta da cultura em estreme) e do restolho em avaliações de pré-sementeira se evidencia de forma distinta (Figura 4), e a variação do teor de biomassa da cultura com o seu estado nutricional em azoto.

Figura 4. Cartas de NDVI da parcela à data de sementeira em que a escala de cor azul representa as zonas com infestantes para aplicação de herbicida...
Figura 4. Cartas de NDVI da parcela à data de sementeira em que a escala de cor azul representa as zonas com infestantes para aplicação de herbicida. À esquerda, imagem obtida por satélite com resolução métrica, à direita, imagem obtida por drone com resolução centimétrica.
Tanto numa aplicação como na outra a avaliação por deteção remota foi acompanhada de avaliações in situ de biomassa das plantas infestantes e da cultura, para determinação das doses de herbicida e das doses de fertilizante azotado, respetivamente. No caso do fertilizante foi determinado o teor de azoto total das amostras o que permitiu de forma mais assertiva calcular a quantidade a aplicar, seguindo-se um modelo de aplicação de compensação, isto é, administrar a dose maior onde são manifestadas as maiores carências e vice-versa.

A aplicação de qualquer um dos fatores de produção a taxa varável foi feita com conjuntos mecanizados em que tanto o trator como as máquinas operadoras dispunham de tecnologia ISOBUS para a leitura das cartas de prescrição, além dos sistemas de auto guiamento por GNSS (Figura 5).

Figura 5...
Figura 5. Exemplo de uma carta de prescrição no terminal virtual do trator e conjuntos mecanizados para distribuição de adubo e herbicida a taxa variável.

Através do uso de ISOBUS é garantida a comunicação entre máquinas independente do fabricante. Apenas é usado um terminal para leitura e carregamento de ficheiros e torna-se possível a interoperabilidade de ficheiros com softwares para gestão agricola.

A criação das cartas de prescrição a partir de imagens de satélite foi sendo demonstrada ao longo do projeto recorrendo a diferentes tipos de plataformas nas suas versões de acesso aberto, nomeadamente a Crop monitoring - https://crop-monitoring.eos.com/login; One Soil - https://onesoil.ai/en/; e o software para Sistemas de Informação Geográfica QGis - https://www.qgis.org/en/site/.

Se o uso deste tipo de plataformas permite apenas um critério na definição das zonas de aplicação (por exemplo a carta de NDVI), através do QGis é possível a interseção de diferentes parâmetros para o mesmo objetivo (por exemplo a carta de NDVI e a carta de CEa do solo). No projeto, esta tarefa, além dos resultados agronómicos, permitiu a criação de um conjunto de 12 tutoriais disponibilizados num canal próprio criado no Youtube intitulado 'Projeto ISOmap', disponível em https://www.youtube.com/channel/UCNINqF5RLVXMwV0w5zraP7A

Do ponto de vista agronómico e dos ensaios realizados, os resultados indicam que para a mesma produção de biomassa, pode haver um ganho de eficiência de utilização do herbicida até 0,25l/ha de produto, e uma redução de 7% no coeficiente de variação da biomassa da cultura após a aplicação do fertilizante a taxa variável, garantindo assim uma maior uniformidade da cultura, proporcionando menor suscetibilidade à invasão por plantas infestantes e maior consistência na qualidade bromatológica.

Os valores médios de produção alcançados nos dois anos e custos apresentam-se nos Quadros 2 e 3 respetivamente.

Quadro 2. Dados de produção médias das consociações no ano 2021 e 2022
Quadro 2. Dados de produção médias das consociações no ano 2021 e 2022.
Quadro 3. Custos de produção
Quadro 3. Custos de produção.

Da análise da conta de cultura e apesar dos custos de fatores de produção (nomeadamente os fertilizantes e herbicidas) com variação positiva no segundo ano, este acaba por ser atenuado pelas metodologias descritas, verificando-se ser a operação de colheita que mais pesa na atividade. Assim, ainda que no segundo ano tenha sido obtido uma menor produção, a monitorização da cultura e dos custos associados permitiu um aumento do número de dias de pastoreio dos animais diminuindo o custo relativo à enfardação e garantindo um valor custo benefício importante face ao atual cenário da produção de alimentos forrageiros.

Em julho foram assinados na Herdade da Comenda cerca de 20 acordos de parceira com diferentes entidades do setor, que reforçam a partilha de conhecimento e das competências técnicas proporcionadas pelo projeto.

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