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Informação profissional para a agricultura portuguesa

“Os jovens agricultores portugueses estão a operar uma grande reconversão tecnológica”

Entrevista com Nuno Melo, eurodeputado e presidente do CDS-PP

Gabriela Costa31/07/2023

A desejada transformação geracional da agricultura portuguesa tem na tecnologia um aliado que “potencia ao máximo as possibilidades do território e das culturas”. Mas os jovens enfrentam complexos desafios resultantes dos problemas estruturais do setor, e são a primeira vítima da “falta de interação com a tutela para aproveitar os recursos que vêm de Bruxelas”, defende, em entrevista, Nuno Melo.

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Defende que a agricultura é um setor estratégico em Portugal, mas tem um problema estrutural. No que impacta os jovens agricultores, o que considera premente fazer a nível de produção agrícola e em conjunto com as indústrias agroalimentar, agroflorestal, etc.?

O problema está identificado na União Europeia e está identificado em Portugal. Os fundos estão disponíveis. As medidas em Portugal não acontecem.

Dito isto, há um problema geracional em Portugal mais grave do que no resto da Europa (em alguns países do sul da Europa a transmissão da terra acontece tardiamente por razões culturais). Mas independentemente disso existem medidas relevantes que tinham de ser tomadas, porque estimulariam os jovens agricultores para uma opção vantajosa.

Um agricultor, como qualquer pessoa de qualquer profissão, quer sentir estímulo no que faz e a rentabilidade do seu esforço. Mas em Portugal, no que respeita à agricultura e aos jovens, há restrições de acesso ao crédito, problemas relativamente à diminuição do emparcelamento das propriedades, e uma diferente tipologia de norte a sul, que faz com que também a casuística nas decisões políticas deva acontecer. Não é a mesma coisa falar da transmissão da terra e do tipo de agricultura no Minho, em Trás-os-Montes, no Alentejo ou no Algarve…

De resto, deve-se ter em conta a atuação dos projetos face quer às possibilidades de arrendamento, quer às de propriedade, o que tem a ver com a sua gestão e com o relacionamento com a banca.

E, depois, há um problema político e que tem a ver com a assunção pelos governos de que a agricultura é, por si mesma, estrategicamente uma prioridade. Creio realmente que é verdade, independentemente de qualquer dimensão eleitoral, que o CDS teve sempre a agricultura como um setor realmente estratégico.

A agricultura tem que ser estratégica em Portugal como é na Alemanha ou na França, países que não abdicam de nada que tenha a ver com a capacidade decisória do setor, do ponto de vista institucional. Em Portugal isso não acontece. Com os governos socialistas, a agricultura continua a ser um setor muito negligenciado, preterido, que não é tido como estratégico e no qual se investe pouco.

“Um jovem que se queira dedicar à agricultura tem que ter acesso a uma fiscalidade de benefício”

Ouviram-se várias críticas ao PEPAC na 10ª Conferência Nacional de Jovens Agricultores. O que considera fundamental nesta nova fase do Plano Estratégico, e o que está a falhar?

O que falha são medidas em concreto que sejam percetíveis, e também direcionadas aos jovens agricultores. Porque a agricultura e a transformação geracional não vivem de grandes proclamações ideológicas nem de declarações genéricas.

Temos uma ministra a dizer que vai lutar pela seca, mas com que propostas? E em relação ao PEPAC 2023-2027 passa-se exatamente a mesma coisa. Aliás, a CAP tem sido muito minuciosa nas críticas, que me parecem justas.

Num país envelhecido, que relevância assume a renovação geracional do setor?

Eu tenho dito muitas vezes que mais do que uma grande diferença em Portugal de norte a sul, há uma diferença muito fraturante entre o litoral e o interior. Quando falamos de agricultura falamos não apenas, mas fundamentalmente do interior: dois terços do território, mas menor demografia.

Ora, se não tivermos mecanismos políticos que ajudem a fixar os jovens no interior, também há uma maior dificuldade em criar estímulos para que a agricultura seja uma opção de vida.

“Não temos na ministra da agricultura uma intérprete que seja respeitada pelo setor”

Estímulos financeiros, concretamente?

Financeiros, fiscais e de serviços públicos. Um jovem que se queira dedicar à agricultura tem que ter acesso a transportes eficazes e a custo baixo. Tem que ter acesso a uma fiscalidade de discriminação, tendo em conta o contexto e, portanto, de benefício para quem se queira fixar no interior. Tem que ter uma atenção decisiva dos governos, e regulamentos aprovados a tempo e horas. Tem que, no final de “tudo pesado”, achar que vale a pena.

Como alguns jovens testemunharam nesta conferência, o descrédito é muito grande, porque sentem que investem o seu tempo e esforço, e o retorno é quase nenhum. Acresce a componente da distribuição de lucro na cadeia, que é muito assimétrica.

Portanto, há muitíssimo a fazer a nível da tutela em Bruxelas. Parece-me é que Bruxelas está muito mais comprometida do que a atual realidade nacional, que não consegue acolher o que da Comissão Europeia vai sempre estar disponível. E que podia ser transformado em projetos e recursos que cheguem aos agricultores (aos mais velhos e aos mais novos), e que permitam operar a renovação do setor.

Da esquerda para a direita...

Da esquerda para a direita: Nuno Russo, vereador da Câmara de Santarém; Pedro do Carmo, deputado e presidente da Comissão de Agricultura da Assembleia da República; Luís Mira, secretário geral da CAP; Nuno Melo, presidente do CDS-PP; Pedro Santos, diretor geral da Consulai; José Diogo Albuquerque, CEO do Agroportal e, de pé, Álvaro Mendonça e Moura, presidente da CAP

Como é que o país está a garantir a sua autonomia alimentar, e como se posiciona a nível competitivo face a este “desígnio europeu”, nas suas palavras?

Vamos ser sinceros: se não fosse a Política Agrícola Comum muita da agricultura portuguesa não era competitiva. Porque nós não temos as mesmas condições, nem a mesma fertilidade da terra, em muitas áreas existem problemas de água, temos limitações ao acesso a trabalho e a crédito.

No entanto, se a agricultura é um setor estratégico deve ser preservada a produtividade em todos os países. A PAC tem permitido que, independentemente das características de Portugal, o país produza alimentos e que esses alimentos sejam de qualidade e de baixo custo, estejam acessíveis às pessoas e contem numa dinâmica que é plural, ou seja, transversal na União Europeia.

A par da Paz, a autonomia alimentar é, de facto, o maior sucesso da União Europeia. Com tantas guerras travadas por causa de recursos naturais, alimentos ou do acesso à terra, reconhecer que esta autonomia é concretizada pela política agrícola, como um ativo que as instituições europeias chamam a si, é algo que Portugal devia saber ler com muita clareza. Infelizmente muitas vezes não acontece.

Contudo há uma crise alimentar eminente…

Mas há coisas que podem ser feitas, e dou um exemplo: o CDS permitiu antecipar o projeto do Alqueva em dez anos e hoje, no seu perímetro, muitas zonas que eram de sequeiro, improdutivas, estão a ser utilizadas, garantindo postos de trabalho e recursos para o Estado através de impostos. Isto para dizer que as decisões políticas podem ter impacto na transformação da atividade agrícola. E estamos a falar de uma região pobre.

Esta lógica pode ser replicada noutras áreas, noutros setores, porque os recursos estão aí. Mas o engenho político e a capacidade dos agentes políticos também têm que ser óbvios. E neste momento não temos na ministra da agricultura uma intérprete que seja respeitada pelo setor - muito pelo contrário, os agricultores não a querem na Feira da Agricultura de Santarém, como não a quiseram na Ovibeja. Seguramente que isso não é bom para a agricultura em Portugal.

“Os produtos portugueses são tidos como dos melhores do mundo”

Face aos atuais desafios de sustentabilidade, como a seca, e ao potencial das novas tecnologias aplicadas ao setor, como se situa Portugal face às tendências europeias?

Há uma questão que é muito impressionante em Portugal. E é perceber como os agricultores portugueses, particularmente os jovens, estão a operar uma grande reconversão tecnológica que lhes permite racionalizar recursos e ultrapassar dificuldades.

Naturalmente que existem outras dificuldades que estão identificadas, e a seca é uma delas. No ano passado uma enorme parte do território estava em situação de seca severa ou extrema. Mas hoje a agricultura é muitíssimo mais tecnológica. Mesmo perante a escassez de água, a gestão do recurso é feita com minúcia e à distância. Tudo é conseguido potenciando ao máximo as possibilidades do território e as culturas escolhidas.

E, portanto, diria que nesse propósito de eficácia, aproveitamento de recursos e preparação dos agricultores, a agricultura em Portugal em 2023 está a anos luz do que era nos anos 70 ou nos anos 80. O que não invalida tudo o resto, e que tem que ver, insisto, com a falta de interação com a tutela e criação de sinergias para aproveitar os recursos que vêm de Bruxelas.

Aquilo que não pode acontecer é abdicarmos de um setor fundamental, no qual se deve investir e garantir o sucesso desta transformação geracional. Por exemplo, levando para fora alimentos de marcas nacionais. Nós podemos ter agricultura de muita qualidade disponível no mercado.

Como bem se vê na iniciativa “O Melhor de Portugal” [evento que promove o setor agroalimentar português junto dos exportadores do Benelux], desde que haja a capacidade de os divulgar e colocar à disposição no mercado, os produtos portugueses são tidos como dos melhores do mundo.

 

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