Plantas para cruzamentos em estufa.
Tradicionalmente, as novas variedades de batata eram obtidas através de cruzamentos entre plantas parentais que possuíam as características pretendidas para a nova variedade. Inicialmente, estas características consistiam, sobretudo, num elevado rendimento da produção e em características internas e externas dos tubérculos, em função da utilização prevista para a nova variedade.
Estes critérios de obtenção foram variando ao longo do tempo e, posteriormente, foi sendo dada maior importância a outras características, tais como: resistência a pragas e doenças, aptidão para consumo em fresco ou para diferentes tipos de transformação industrial, aptidão para a lavagem e, nos últimos anos, tem sido dada especial ênfase à resistência a temperaturas elevadas, resistência à seca, resistência a solos salinos e a tudo o que está relacionado com as alterações climáticas. Tudo isto se refere às novas variedades que as grandes casas comerciais de sementes pretendem introduzir em massa no mercado.
Na União Europeia, qualquer nova variedade que se pretenda registar, seja de que vegetal for, deve ser submetida a uns ensaios denominados DUS, desenvolvidos por alguns organismos nacionais (NEIKER, no caso de Espanha, atualmente) e controlados pelo Organismo de Exames nacional de cada país (OEVV do MAPA em Espanha, Instituto Espanhol das Variedades Vegetais) e, acima de todos os outros, pelo CPVO (Instituto Comunitário das Variedades Vegetais), com sede em Angers (França).
O ensaio DUS (EUE em português) consiste em demonstrar, durante pelo menos dois anos, que a nova variedade é:
- Diferente: Alguma das 37 características (11 nos rebentos, 10 na folha, 7 na flor e 9 no tubérculo) da variedade de batata apresentada como nova deve ser diferente das correspondentes às variedades existentes, registadas e inscritas pelo CPVO.
- Homogénea ou uniforme: Todos os tubérculos e plantas dessa nova variedade devem ser homogéneos ou uniformes e não apresentar diferenças entre uns e outros.
- Estável: Com o passar das gerações (pelo menos 2), as características descritas para esta nova variedade mantêm-se e não variam de um ano para o outro.
Em alguns outros casos, procuram-se atualmente características muito específicas e orientadas para determinados grupos populacionais, mais do que para o consumidor geral. Neste grupo podemos incluir as variedades biofortificadas com ferro e zinco; as variedades com elevado teor de vitaminas, carotenos e insulina; com baixo teor de acrilamida após a fritura, etc.
Outro grupo, no qual não se obtêm propriamente novas variedades, mas sim clones, em que cada indivíduo é uma variedade diferente em si mesma, é o caso da semente verdadeira de batata (TPS, na sigla em inglês).
Extração das sementes das bagas.
As técnicas de obtenção de novas variedades de batata também foram variando com o tempo, desde os cruzamentos das plantas progenitoras com características pretendidas, processo que demora entre 7 e 8 anos para selecionar a variedade, sendo o processo para a introduzir no mercado mais longo, até às ferramentas biotecnológicas atualmente utilizadas, que facilitam e encurtam o processo de melhoria.
A 25 de julho de 2018, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) determinou que as plantas obtidas através de técnicas de melhoria de precisão, como a CRISPR, são organismos geneticamente modificados (OGM), ao contrário dos produtos produzidos com técnicas de melhoria muito menos precisas, que estão isentas da legislação relativa aos OGM. Como consequência, mesmo as culturas com alterações mínimas, introduzidas através de CRISPR, que também podem surgir espontaneamente na natureza, estão sujeitas a estas disposições. Neste momento, na Europa, a tecnologia CRISPR é considerada como transgénica e não é permitida, mas espera-se que, após a recente proposta da Comissão Europeia, apoiada por um grande número de cientistas e instituições, o Parlamento Europeu dê a sua aprovação para que seja considerada não OGM. É de esperar e desejável que, com uma pequena revisão da legislação europeia, a técnica CRISPR seja harmonizada com o quadro jurídico de outras nações e permita aos cientistas, criadores, agricultores e produtores europeus incluir a edição do genoma como uma das suas ferramentas, para enfrentar os futuros desafios do desenvolvimento sustentável, como já acontece na grande maioria dos países não europeus.
Em Espanha, em 1933, foi criada a “Estación de Mejora de la Patata” (EMP), com instalações em Arkaute e Iturrieta (Álava). Os objetivos deste Centro eram:
A consolidação das variedades de batata cultivadas, através do fornecimento de material de qualidade.
Começar a organizar a produção de batata de semente em Espanha, ainda inexistente.
A importação de variedades estrangeiras, a fim de estudar a sua adaptação e obter assim novas variedades de batata adaptadas ao território.
Na década de 1950, quando o engenheiro agrónomo Jaime Nosti era o diretor da EMP, foi obtida a primeira variedade espanhola, denominada Eminencia. Prosseguindo e reforçando esta linha de melhoria, foram obtidas nos anos 60 e 70 as variedades de batata: Aurea, Belda, Buesa, Diba, Duquesa, Goya, India, Iturrieta, Lora, Olalla, Onda, Turia, Víctor e Zubeldia. Entre elas, até há pouco tempo, variedades como a Turia, com um teor de sólidos muito bom, continuavam a ser cultivadas para a indústria de batatas fritas de pacote, embora com um grande problema de mancha de ferro e núcleo oco no interior.
Alfobre por famílias, em estufa.
A partir dos anos 80, com a transferência de competências para as Comunidades Autónomas, no setor da batata de semente, o Governo basco ficou com as infraestruturas da EMP, concentradas em Álava. As restantes Comunidades Autónomas produtoras de batata de semente tiveram de começar do zero.
A partir desse momento, o Governo basco registou como novas variedades, entre outras: Fénix, Gorbea, Itziar, Mayka, Nagore, Nerea, Zadorra, Zarina e Zorba. Importa salientar as variedades Nagore e Zorba, pela sua qualidade no processamento para frituras, as quais atualmente são comercializadas em países europeus como a Alemanha, assim como a Gorbea para consumo em fresco. Em 2009, foram registadas três novas variedades no Instituto Espanhol das Variedades Vegetais, cujos nomes são: Leire, Mirari e Harana e, por último, em 2018, foram registadas a Beltza e a Edurne.
Seleção de clones no campo.
Em Castela e Leão, a partir das transferências, em 1983, foi criada a APPACALE (Associação de Produtores de Batata de Semente de Castela e Leão), com sede em Burgos. A finalidade desta empresa, na qual a Junta de Castela e Leão detinha 51% do capital e o restante era das empresas produtoras de batata de semente, era obter novas variedades de batata e fornecer batata de semente de alta qualidade aos produtores de batata de semente de Castela e Leão. Durante os anos em que funcionou, até ao seu encerramento e liquidação, em 2012, pela Junta de Castela e Leão, esta empresa pública registou no referido Registo do MAPA as seguintes variedades: Fina de Gredos, Jimena, Melibea, Nela, Pomar e Valnera.
O método clássico de melhoria genética para a obtenção de novas variedades de batata baseia-se na criação de variabilidade através da realização de cruzamentos dirigidos, com plantas parentais que possuem as características que procuramos na nova variedade. Na descendência dos cruzamentos, os fenótipos com as características pretendidas são selecionados na geração F1 e assim sucessivamente nas restantes gerações clonais. Este método clássico foi complementado nos últimos anos com outras metodologias, como a seleção assistida através de marcadores moleculares e a genotipagem, a melhoria a nível diploide que acelera o processo, a cultura de tecidos meristemáticos aplicada à manutenção das variedades ou para acelerar a micropropagação das mesmas.
No processo de cruzamento castram-se os progenitores femininos e procede-se à polinização com o pólen do progenitor masculino. Se a polinização for bem-sucedida, formam-se as bagas, que são como pequenos tomates. No interior de cada baga podem formar-se até 200 sementes. Cada semente contida na baga é uma nova variedade, diferente das restantes. Quando a baga está madura, procede-se à extração das sementes, que são lavadas e secas para conservação das mesmas. A descendência das diferentes bagas obtidas em cada cruzamento mantém-se separada das restantes, as quais se denominam como famílias. Uma vez secas as sementes, podem ser plantadas num alfobre ou podem ser conservadas durante anos, para sua utilização posterior.
Em sucessivas multiplicações de cada material obtido, vão sendo selecionados os clones mais promissores, num processo que dura 7 a 8 anos.
A AGRICO é talvez a empresa que mais recursos dedica à obtenção de novas variedades de batata. Trata-se de uma empresa neerlandesa, mas com ramificações em todo o mundo. Todos os anos inicia o processo de obtenção de uma nova variedade com os cruzamentos das plantas parentais escolhidas, das quais obtém 200 000 sementes, cada uma das quais é um indivíduo ou uma variedade diferente. Dessas 200 000 sementes, ao fim de 9 anos e após os processos de seleção correspondentes, fica a cada ano com uma média de três novas variedades para lançar no mercado.
As características que esta empresa procura numa nova variedade de batata estão relacionadas com:
Durante as fases finais do processo de obtenção, estabelece quantidades suficientes de plantas in vitro das variedades mais promissoras e com mais possibilidades de ser lançadas no mercado, para iniciar os processos de registo, realizados pelo NAK, o serviço de controlo e certificação neerlandês, e para iniciar os ensaios de aptidão e adaptação nas zonas do mundo onde se pensa que a variedade pode ter mais possibilidades. Como se vê, trata-se de um processo longo e dispendioso que exige um investimento muito elevado, pois há que ter em conta que durante os 9 anos que dura todo o processo até que a nova variedade esteja no mercado, todos os clones que foram selecionados durante esses 9 anos coexistem e têm de ser geridos.
Multiplicação de semente em túnel antipulgão.
A AGRICO orgulha-se de, em 2019, ter plantado, pela primeira vez nos Países Baixos, mais de 1000 hectares da variedade Arizona para a produção de batata de semente. Esta variedade foi obtida em 1997.
No caso da AGRICO, o foco na obtenção das novas variedades incide atualmente em:
A Royal HZPC é a outra grande empresa europeia que domina o setor da batata de semente em todo o mundo, juntamente com a AGRICO. Desde a sua fundação, em 1898, nos Países Baixos, a HZPC progrediu até se tornar um líder mundial no melhoramento inovador de plantas, no comércio de batatas de semente e no desenvolvimento de novos conceitos. Ao contrário da América, onde quase todas as novas variedades procuradas pelo mercado são de polpa branca, na Europa trabalha-se com variedades de polpa amarela e dando maior ênfase à sustentabilidade, reduzindo a pegada ambiental das novas variedades de batata.
Segundo a empresa, a HZPC procura variedades de batata da mais alta qualidade e uniformidade, que respondam às expetativas dos diferentes mercados, otimizadas segundo as condições de cultivo locais, com soluções para os desafios climáticos, culturais e comerciais enfrentados por toda a indústria alimentar, embora sem especificar características específicas a procurar.
Com o objetivo de simplificar e acelerar a investigação básica sobre as batatas, o Royal HZPC Group apresentou, a 3 de novembro de 2023, a sua oferta de acesso ao conjunto de todas as suas variedades de batata a instituições académicas. A partir de 1 de janeiro de 2024, as instituições académicas da União Europeia terão acesso ao conjunto das suas variedades, que inclui plântulas in vitro, com uma diversidade genética sem precedentes.
Com esta medida, pretendem apoiar e estimular a investigação: a missão da empresa é alimentar a crescente população mundial com batatas sustentáveis, pelo que o apoio e o estímulo à investigação na melhoria da batata é um objetivo estratégico para a empresa. A oferta inclui informações genéticas, genotipagem e até cruzamentos já preparados, o que poupa tempo e investimento. A Royal HZPC é especializada em genética tetraploide, o que permite aos investigadores europeus beneficiar das suas ferramentas e técnicas avançadas no apoio aos respetivos projetos.
O Royal HZPC Group convida todas as instituições académicas da União Europeia a participar nesta iniciativa.
As características procuradas nas novas variedades de batata são muito variadas e, em geral, dependem da utilização que se pretende dar à batata. Depois de analisarmos as duas principais empresas europeias, vejamos dois exemplos da América.
Na Michigan State University focam-se na obtenção de novas variedades para a indústria da batata frita e pretendem variedades resistentes ao PVY, à sarna comum e que aguentem um armazenamento prolongado. A sua última variedade, a “Mackinaw”, é resistente ao PVY, à sarna comum e pode ser armazenada em boas condições até ao início de julho, tendo um elevado teor de matéria seca.
Na Cornell University, em Nova Iorque, também prestam atenção às variedades aptas para fritura, tendo em conta, em primeiro lugar, a forma e o calibre dos tubérculos, procurando tubérculos redondos, sobretudo pequenos, com um elevado teor de matéria seca, que permitam uma boa cor de fritura após o armazenamento. As batatas de calibre pequeno são mais adequadas para os fabricantes que vendem o respetivo produto em pacotes pequenos. Também prestam atenção à resistência à sarna comum, ao PVY e ao nemátodo dourado da batata. Uma das suas novas variedades mais promissoras é a “New York 163”, embora as rodelas tenham tendência a formar ampolas no processo de fritura. Atualmente, também estão a procurar de uma variedade de polpa cor de laranja.
Há vários anos que, face às elevadas taxas de anemia nos países da Região Andina, uma equipa liderada pela engenheira agrónoma Elisa Salas Murrugurra, do Centro Internacional da Batata (CIP), com sede em Lima (Peru), trabalha na obtenção de variedades de batata biofortificadas com elevado teor de ferro e zinco, de modo a contribuir para a segurança alimentar e nutricional da agricultura familiar altoandina.
A primeira fase consistiu na identificação e obtenção de uma primeira população de batatas biofortificadas a nível diploide. Na segunda fase, foi obtida uma segunda população de batatas biofortificadas através da transferência de micronutrientes de populações diploides para tetraploides. Para além do aumento dos micronutrientes, também foi prestada atenção à resistência às doenças, à tolerância ao calor e à seca, ao rendimento elevado, à elevada estabilidade do teor de micronutrientes, à qualidade industrial e à boa aparência comercial.
Ensaios de valor agronómico no terreno.
Os resultados obtidos até agora mostram uma estabilidade no teor de ferro das batatas biofortificadas em vários ambientes no Peru, observando-se, em média, nestes clones biofortificados mais 38% de ferro do que na variedade comercial “Yungay”, muito cultivada e tida como referência (intervalos de 16-73%), e mais 37% de zinco (intervalos de 15-64%). Com estes resultados, foram identificados três clones biofortificados para o registo e lançamento de uma variedade no Peru, o que está programado para 2024.
O objetivo é que o ferro das batatas biofortificadas, de polpa amarela, cubra 50% das necessidades diárias de ferro absorvido, para as mulheres com maior insuficiência de ferro.
Este é um exemplo das possibilidades que as novas variedades de batata apresentam quanto à segurança alimentar e melhoria da saúde da população.
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