As leguminosas fazem parte da alimentação portuguesa. No entanto dados indicam que a Europa importa 90% das leguminosas que consome. No caso de Portugal o país tem potencial para ser autossuficiente na produção de leguminosas, uma vez que temos boas condições atmosféricas e ambientais para as produzir.
Mas porquê apostar nas leguminosas? A resposta é simples. As leguminosas, pela sua capacidade eficiente de fixação do azoto, permitem que o seu cultivo reduza, ou até mesmo dispense, a utilização de fertilizantes químicos ricos em azoto e, ainda, um enriquecimento dos solos em azoto, que será útil nos cultivos subsequentes. Além disso, são também promotoras da biodiversidade e melhoram a qualidade do solo em várias vertentes, como por exemplo, aumentam as reservas de matéria orgânica e seu arejamento, estimulam a atividade biológica, melhoram a sua estrutura, reduzem a erosão e aumentam a capacidade de retenção de água.
Marta Vasconcelos, investigadora do Centro de Biotecnologia e Química Fina (CBQF/ESB/UCP) e coordenadora do projeto em Portugal, revelou à Agriterra que o programa trabalha especificamente com quatro leguminosas: feijão, lentilha, grão-de-bico e tremoço, sendo que “o grande objetivo é promover e dinamizar os recursos genéticos das leguminosas que estão retidos nos bancos de sementes, nos bancos de germoplasma vegetal e trazer essa enorme biodiversidade para os campos e para os utilizadores”. Isto é importante porque “estamos a assistir a uma enorme erosão genética do nosso património das culturas vegetais”.
A investigadora explica que os programas de melhoramento que foram feitos nos últimos anos foram sendo direcionados para uma melhor produtividade, para determinados traços tecnológicos ou anatómicos que alimentam um sistema altamente mecanizado e muito uniforme. Acontece que isso tem uma consequência: a perda das variedades mais atípicas. Sempre que se aposta em poucas variedades, ou, por outras palavras, no afunilamento, criam-se vulnerabilidades. Como aponta a investigadora, se, por exemplo, aparece uma praga para a qual aquela variedade tem sensibilidade, é um cenário bastante perigoso para a agricultura. Razão pela qual “é muito importante que se mantenha a biodiversidade das variedades”.
Este projeto tem a particularidade de se basear na ciência cidadã, ou seja, os cidadãos participam na experiência, ao cultivar as leguminosas e partilhar os resultados. Uma participação que, explica Marta Vasconcelos, colmata dois objetivos: por um lado cria consciencialização para este cenário. Por outro faz com que se crie interesse em fazer crescer variedades mais antigas, mais tradicionais.
Como funciona? Simples. Uma pessoa inscreve-se no site do programa e depois é só seguir as indicações. Há inclusive uma aplicação que reúne toda a informação e onde o cidadão cientista pode não só obter toda a informação (incluindo tutoriais em vídeo e em várias línguas), como até publicar os dados sobre a sua “experiência”. Isto porque toda a experiência tem de ser documentada. Desde a receção das sementes até às várias fases de crescimento.
O mais interessante, revela Marta Vasconcelos, é que as escolas também aderiram a esta iniciativa. Aliás, há cerca de 40 escolas que já receberam os feijões. A investigadora menciona, inclusive, uma escola em Famalicão, que até já ganhou o prémio de melhor vídeo, a nível europeu, da sua iniciativa com os feijões.
Por outro lado, os dados recolhidos vão, igualmente, permitir caraterizar, nutricionalmente, em termos de proteína, fibra, aminoácidos e minerais. Para que se possa perceber quão frágil ou resiliente é a nutrição das leguminosas face às alterações climáticas. A investigadora lembra que estamos numa altura em que a agricultura lida com dois desafios extremamente importantes. Por um lado, a população mundial não pára de crescer, e a uma velocidade que nunca se tinha visto. por outro, o terreno arável está a diminuir. Por isso, “tudo o que permita que a agricultura aumente a sua produtividade, a nível das culturas, com a gestão da água, que também é cada vez menor, é extremamente importante”. E as leguminosas, acrescenta Marta Vasconcelos, é talvez o ingrediente de mais fácil acesso e a um preço acessível, funcionando como um alimento ideal. Sem esquecer que têm “uma diversidade nutricional muito elevada”, dado que “dentro dos alimentos de origem vegetal, são aquelas que têm concentrações mais altas de proteína”, sendo, inclusive, “muitas vezes utilizadas como complemento ou substituição da carne”.
E não esquecer o benefício ambiental. “As leguminosas são as únicas que têm a capacidade de fixar azoto com as relações simbióticas que fazem com bactérias e reduzem assim a dependência dos fertilizantes azotados”, explica Marta Vasconcelos. Se olharmos para a história da humanidade, acrescenta a professora, há alguns séculos as leguminosas eram a tal praticidade do alimento e atualmente, nalguns países, acabam por ser mais uma tendência de produtos à base de plantas em detrimento da carne.
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