Chaparro Agrícola e Industrial, S.L.
Informação profissional para a agricultura portuguesa

“A agricultura de conservação coloca o solo no centro das suas preocupações”

Emília Freire09/06/2021

As alterações climáticas potenciaram as preocupações com a sustentabilidade da nossa agricultura e a degradação dos solos tem sido um dos principais problemas apontados. Por isso, fomos falar com Mário Carvalho, professor (reformado) da Universidade de Évora, especialista em Agricultura de Conservação. O sistema que coloca a melhoria das funções do solo no centro e se preocupa simultaneamente com a sustentabilidade económica e ambiental.

"Em termos de exemplos de agricultura de conservação nos países mediterrânicos a Herdade da Parreira é o melhor que conheço"...

"Em termos de exemplos de agricultura de conservação nos países mediterrânicos a Herdade da Parreira é o melhor que conheço", diz Mário Carvalho

Mário Carvalho começa por frisar que “o objetivo da agricultura de conservação (AC) é conciliar a sustentabilidade económica com a sustentabilidade ambiental. Para isso, investe tudo na melhoria das funções do solo e na biodiversidade. O solo é o elemento central de qualquer tipo e agricultura, mas AC coloca o solo no centro das suas preocupações. Porque não é possível fazermos agricultura sem ter algum impacto ambiental. Para avaliarmos se uma prática é boa ou má, termos de ter alguma hierarquia de valores, como temos no nosso Código Civil”.

No caso da AC o solo está no topo, por isso, “nada que afete as funções do solo pode ser praticado. Não porque é proibido mas porque vai impactar negativamente o objetivo principal”.

O professor adianta que, “para a melhoria das funções do solo a AC tem três princípios de atuação: a não mobilização do solo, porque aumenta as perdas de solo por erosão e as perdas de matéria orgânica por mineralização”.

Mas isso não chega, sublinha, “porque para aumentar o teor de matéria orgânica e a atividade biológica do solo – uma vez que todas as funções do solo dependem da sua microbiologia – temos de deixar resíduos no terreno, como os restolhos e as palhas das culturas para grão, para aumentar o retorno de carbono ao solo. Ou seja, a fixação de carbono que as plantas fazem por fotossíntese, precisamos de a aumentar. Este é o segundo princípio da AC”.

E o terceiro princípio “é a rotação de culturas, como forma de introduzir biodiversidade no sistema. Porque se não tivermos rotação de culturas num solo que tem muitos resíduos e não é mobilizado, vamos aumentar a pressão de infestantes, doenças e pragas, o que iria obrigar à utilização crescente de pesticidas. Só temos verdadeiramente a agricultura de conservação se tivermos os três princípios em funcionamento numa exploração”, afirma.

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A diferença

Solo de agricultura de conservação, sem mobilização há 18 anos, comparado com solo original da região (que fomos buscar a um campo vizinho).

Tem visivelmente muito mais matéria orgânica, porque tem maior heterogeneidade e diversidade de micróbios, permitindo também uma maior retenção de água, que é mais facilmente transportada às camadas mais profundas do solo. “É, ainda, um solo onde é muito mais fácil transitar com as máquinas para tratar da cultura ou entrar com os animais para o pastoreio. A transitabilidade depende da drenagem e da coesão do solo e este é um solo coeso, mas que não está compactado”.

PAC devia financiar práticas benéficas para o ecossistema

No âmbito dos fundos europeus, há um apoio para a agricultura de conservação a que os agricultores podem recorrer, que tem financiamentos específicos para estas três componentes, mas não obriga às três, nomeadamente à rotação de culturas, salienta Mário de Carvalho.

O professor defende que “a Política Agrícola Comum (PAC) deveria caminhar no sentido de financiar práticas agrícolas que sejam benéficas para a melhoria do funcionamento do ecossistema. E ainda há muitas situações em que as ajudas até prejudicam a adoção de boas práticas”.

Sobre a agricultura biológica, destaca que a possibilidade de este modo de produção só poder usar alguns produtos, nomeadamente cobre e enxofre, leva a que os produtos possam desenvolver no pós-colheita alguns fungos, do tipo Fusarium por exemplo, que depois levam ao desenvolvimento de micotoxinas que podem causar algumas intoxicações alimentares e problemas graves de saúde pública.

“Os princípios da agricultura biológica estão todos certos, mas são princípios de toda a agricultura. O que está errado na agricultura biológica são as proibições, porque partem de dois princípios, ambos errados: o primeiro é que o principal problema da agricultura é a contaminação com pesticidas – e não é, nem de perto nem de longe. O primeiro é a degradação do solo e o segundo é a perda de biodiversidade – e o segundo erro é considerar que os produtos de síntese são mais prejudiciais que os tradicionais, como o cobre e o enxofre. Aliás, se não fosse a importância deles na agricultura biológica já tinham sido proibidos, tendo em conta as exigências atuais", explica.

Por isso, a contaminação do solo é muito maior na agricultura biológica do que na não biológica. Além disso, para controlar as infestantes nas culturas anuais, por exemplo, como não são permitidos herbicidas, a mobilização do solo é a única forma.

No caso da agricultura de conservação, “a rotação de culturas evita muito essas infestantes porque com a rotação de culturas não temos sempre o mesmo hospedeiro no terreno”, mais ainda se combinada com “critérios de seleção genética de plantas que não olhem apenas para os índices de produtividade mas também à resistência a pragas e doenças”.

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“No nosso sequeiro precisamos das três componentes que sustentavam o sistema agro-silvo-pastoril – a floresta, a pastagem e a cultura, porque estas três atividades são complementares entre si e criam sinergias”.

Melhoramento genético deve ser usado para a sustentabilidade do ecossistema

“O homem tem de aproveitar todas as possibilidades que a ciência lhe dá para fazer melhoramento genético, se quiser garantir o seu futuro”, considera Mário Carvalho, salientando que nesta altura, “por causa de uma opinião pública negativa, só os privados é que investem nestas técnicas, numa lógica comercial e não de sustentabilidade do ecossistema”.

“Era muito importante o público em geral deixar de ter medo destas tecnologias para ser o Estado a investir, pelo menos, naquilo que são as soluções que têm a ver com o ambiente, para podermos ter plantas que sejam resistentes à seca, com maior teor de vitamina A ou de proteína, beneficiando o público em geral e o ambiente”.

O professor considera que estamos a recuar ao nível da investigação agrária em Portugal: “fazemos muitas publicações científicas mas nenhuma delas tem a ver com os problemas de base da nossa agricultura”.

Uma das questões que refere é o facto de, nas nossas instituições, o financiamento ser quase exclusivamente externo, de projetos a três anos, por exemplo e em áreas de investigação aplicada, o que impede as entidades de fazerem planos de longo prazo de investigação fundamental.

A área dos micróbios do solo, por exemplo é fundamental, afirma. Por exemplo, um projeto sobre micróbios do solo que confiram às plantas tolerância à acidez (tendo em conta que 87% dos nossos solos são ácidos), como os avaliadores destes projetos são internacionais e os problemas são muito diferentes de país para país.

Um investigador se não publicar não progride e também não ganha novos projetos se se candidatar, por isso, os investigadores levam o campo para dentro do laboratório e a folha de cultura para dentro da placa de petri, e aí o problema agrícola desapareceu, bem com a visão do ecossistema.

“Estamos a transformar as universidades de agricultura em universidade de biologia: estudam os fenómenos biológicos, a bactéria, o gene, mas estão afastados da questão geral do ecossistema”.

Ainda sobre alguns problemas dos nossos solos nomeadamente o elevado teor de manganês, que pode ser corrigido com aplicações de calcário dolomítico, Mário Carvalho lembra que falou desse problema na sua tese de doutoramento em 1988, e que desde aí já deu um sem número de palestras sobre isso mas a maioria dos produtores pecuários, por exemplo, só conseguem rentabilidade com recurso a fundos, por isso não têm possibilidade de fazer grandes investimentos. Por isso, defende que “é necessário mudar o modelo para que a pecuária, por exemplo, possa ser rentável”.

“O homem tem de aproveitar todas as possibilidades que a ciência lhe dá para fazer melhoramento genético, se quiser garantir o seu futuro”

"A agricultura de conservação não é, só por si, a solução...

"A agricultura de conservação não é, só por si, a solução. Ela é o instrumento agronómico para ajudar a resolver o problema", diz Mário Carvalho.

Agricultura de conservação não é solução por si só

“A agricultura de conservação não é, só por si, a solução. Ela é o instrumento agronómico para ajudar a resolver o problema, que só se resolve com a conceção de um modelo de agricultura que tem de considerar coisas muito para além da agricultura de conservação”, afirma o professor, sublinhando: “no nosso sequeiro precisamos das três componentes que sustentavam o sistema agro-silvo-pastoril – a floresta, a pastagem e a cultura, porque estas três atividades são complementares entre si e criam sinergias. Nenhuma delas por si só é sustentável, precisamos das três em conjunto”.

E explica como: “se eu tiver animais, posso investir na correção deste solo (com elevado teor de manganês) porque o aumento da produção da pastagem é paga pela pecuária. Mas ao corrigir o solo e aumentar a fertilidade, melhoro o crescimento da árvore, aumentado a produção de cortiça e de bolota, que por sua vez, me ajuda a sustentar o gado. E a parte agrícola produz resíduos de culturas que podem servir para alimentação do gado durante o verão, retirando uma das grandes despesas da pecuária sem agricultura”. Depois é necessário ‘alimentar’ este modelo com as melhores práticas agronómicas, frisa.

A gestão eficiente da água também entra neste modelo, nomeadamente na escolha das culturas e da altura em que se fazem. “Se tiver a fazer uma silagem de milho para dar aos animais, gasto 6 mil a 8 mil m³ de água, dependendo do solo e da região. Mas se em vez de fazer a silagem com milho fizer com triticale, posso gastar entre 750 e 1.000 m³ e, em alguns aspetos a silagem de triticale até é melhor que a do milho”.

Duas das razões apontadas pelo professor para muitos agricultores não optarem pela segunda opção são o baixo custo da água e a má drenagem dos solos porque implicaria passar de uma cultura de primavera-verão para uma de outono-inverno.

Mário Carvalho salienta que a conversão para um sistema de agricultura de conservação precisa de bastante apoio e de muito conhecimento, uma vez que é necessário ir fazendo diagnósticos. Nesta altura, o apoio não existe, “a não ser eu, que já estou reformado. Mesmo na Europa, a passagem para este tipo de agricultura também está atrasada, embora em França esteja a ganhar dinâmica”.

No entanto, frisa que “a agricultura de conservação é o movimento com maior expansão no mundo, com destaque para o Brasil, e será, certamente, o futuro. Mas a AC não pode ser importada porque a que estamos a ver aqui é diferente da do Brasil, mas em termos de exemplos de agricultura de conservação nos países mediterrânicos a Herdade da Parreira é o melhor que conheço. E não está parado, tem vindo sempre a evoluir e o montado está interligado com o regadio e com a criação bovina”.

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Herdade de Parreira: Sem mobilização há cerca de 20 anos

Nuno Marques, agricultor da Herdade da Parreira, no Ciborro (Montemor-o-Novo), explica que a maioria dos terrenos da herdade não são mobilizados há cerca de 20 anos e que a exploração funciona de forma integrada entre montado, produção agrícola e de gado bovino.

Como exemplo da importância do tipo de culturas e da época em que se fazem, Mário Carvalho refere que “o Nuno Marques fazia milho, tem quatro barragens, e fazia 70ha de milho porque não tinha água para mais. Neste momento, faz 220ha com a mesma água que tinha, mas só culturas de outono-inverno. Multiplicou a produtividade da água várias vezes em forragens e cereais, como o trigo. Por isso, todo o resto da exploração (que tem um total de 800ha), que é sequeiro, está defendido com estes 220ha de regadio. Porque se houver uma seca tem forragem ou trigo, que se for preciso pode ir para fazer silagem, para alimentar o gado”.

Nuno Marques explica que a herdade tem 250 vacas reprodutoras puras Limousine e Angus, “comercializamos reprodutores em linha pura Limousine para outras explorações e os cruzados de Angus vendemos à Sonae e Pingo Doce”.

O efetivo reprodutor pasta nos 450ha de montado que tem a Herdade da Parreira, sendo que “o objetivo é este efetivo alimentar-se 100% da pastagem, não ser necessário suplemento”, afirma o agricultor.

“Por isso é que precisamos que o regadio seja utilizado nesta ótica de integração com o sequeiro”, refere Mário Carvalho, "e consideramos que o Alqueva não está a defender o território contra as alterações climáticas. Apenas umas centenas de pessoas estão a beneficiar deste que foi o maior investimento público nacional do século”.

Mário Carvalho lembra que o produtor desta herdade fazia o milho de primavera-verão “para fugir ao risco do solo encharcar de inverno. Este ano tivemos um dos invernos mais húmidos dos últimos 20 anos e aquela seara de trigo está muito bem, vai produzir certamente mais seis toneladas. Porque há muitos anos que este agricultor fez um aposta na agricultura de conservação, que aumentou consideravelmente a drenagem do solo, além do aumento de matéria orgânica”.

Esta exploração tem uma economia circular perfeita, salienta o professor “porque faz-se a engorda dos animais, mas tudo o que comem vem da exploração e o estrume dos animais volta para o campo”. Além disso, Nuno Marques instalou painéis solares que produzem energia para a rega.

A propósito disso, o agricultor lamenta que a burocracia impeça o avanço rápido dos processos: “um dos objetivos definidos no Green Deal é que as explorações tenham, pelo menos 30%, de energia de fontes renováveis. Eu produzo 130% das minhas necessidades, ou seja injeto na rede 30% que não consumo e estou desde julho de 2020 à espera do certificado de exploração para poder fazer um contrato com uma comercializadora e vender essa energia, que agora estou a injetar à borla”.

UTAD organizou Conferências sobre Gestão do Solo e da Água

A propósito da agricultura de conservação e do solo, integrado no Ciclo de Conferências – ‘Desafios e Oportunidades no Setor Agrário’, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Doutro (UTAD) organizou em março um conjunto de quatro sessões online dedicadas à ‘Gestão do Solo e da Água’, com destaque para a II Sessão – O Papel do Solo na Sustentabilidade Ambiental, onde participou Mário Carvalho, ao apresentar um webinar sobre ‘O papel do solo no sequestro do carbono’.

Os outros três webinares da sessão foram apresentados por Gottlieb Bash, também da Universidade de Évora, cujo tema foi ‘A agricultura de conservação’; Ronald Vargas, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), que falou sobre ‘Status and trends of global soils’; e João Paulo Marques, do Gabinete de Planeamento e Políticas (GPP) sobre ‘Perspetivas de redução das emissões nos sistemas agrários’.

Pode assistir ao vídeo desta sessão aqui.

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