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Opinião

O vinho de Portugal

Manuel Cardoso*05/10/2021

O Vinho de Portugal está num bom momento. Cada vez melhor em qualidade, aumento das exportações, subida do preço médio pago por litro - subida essa espectacular nalgumas categorias de vinhos - o que, para além doutros indicadores, nos permite dizer que o valor global do negócio estará num dos seus mais altos momentos deste século.

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Para este bom momento têm contribuído os técnicos de excelente nível que nas empresas produtoras, transformadoras e de marketing, nas CVRs, nos organismos interprofissionais e nos Institutos Públicos têm assegurado trabalho, aplicado as verbas disponibilizadas para investimento pelos programas de apoio e desenvolvimento e garantido incrementos constantes de renovação, inovação, melhoria da qualidade e ganhos de notoriedade nos mercados. Desacelerou e está, até, num ponto de viragem, a diminuição de área de vinha existente. As empresas têm sido o grande motor de toda a torrente de lucro e excelência do negócio, a par de algumas cooperativas exemplares que, tendo aderido cada vez mais ao reconhecimento DO e IG dos seus vinhos, se têm juntado, a pouco e pouco, ao clube da qualidade.

Podemos, pois, erguer os copos e fazer um brinde de congratulação! Em cujo brinde não podemos esquecer toda a investigação e formação académica que informou o renascimento e transformação do sector da vinha e do vinho nas últimas décadas e às boas decisões políticas (brindemos apenas às boas e esqueçamos as outras) que puseram em prática medidas pertinentes. Sentando-nos, de seguida, para alguma conversa de reflexão e discussão entre amigos.

O Vinho de Portugal tem a sorte - que sai de muito e profissional trabalho - de além de ter excelentes produtores, ter muita gente a escrever e a opinar sobre a vinha e sobre o vinho de forma comprovada. A escrever e a opinar bem ou a dar espaço ao contraditório e com um grande entrosamento com a produção e com o público, de tal modo que quem ler, sejam as colunas da Revista de Vinhos, da Paixão pelo Vinho, da Grandes Escolhas, do Expresso, do Público, e outras mais, além das páginas pessoais e empresariais que há nas redes, fica com uma visão multifacetada e abrangente da vinha ao copo. Quem ler os editoriais deste ano e a generalidade dessas publicações não pode deixar de constatar que o optimismo partilhado neste artigo teve o impulso não só nos números sobre o vinho que têm sido divulgados pelo IVV mas também nas entrevistas de responsáveis institucionais da ViniPortugal, da ACIBEV, da AEVP, em que se procurou corroborar e alinhar as opiniões aqui vertidas. E quanta e inestimável informação se pode tirar das páginas dalgumas CVRs, dos IVV, IVDP e IVBAM, disponível a todos e em tempo útil! O mesmo se passa com a investigação científica e tecnológica, quer a académica quer a aplicada, que além das universidades tem ainda protagonistas no INIAV, na PORVID, na ADVID, na ATEVA e que muitas empresas têm apoiado ou incentivado, quando não tomado mesmo a iniciativa, fazendo com que a utilização de drones, de robots na vinha e na adega, de ajustamento às práticas da vitivinicultura de precisão, estejam cada vez mais generalizadas. É claro que será redutor dizê-lo assim mas este século conta já com duas grandes publicações magistrais: Portugal Vitícola - O grande Livro das Castas, de Jorge Böhm, e o Tratado de Viticultura - A Videira, a Vinha e o Terroir, de Nuno Magalhães. Quem estiver atento sabe, por isso, que a sorte que faz com que possamos brindar com vinhos cada vez mais leves, elegantes e frescos - e poderosos! - é fruto do trabalho profícuo da vitivinicultura portuguesa na qual não podemos deixar de incluir os produtores, os cientistas, os críticos e os analistas!
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O Vinho de Portugal tem um desafio de curto prazo para algo que já deveria ter sido feito há anos e para o que agora não pode perder tempo: o de ter um normativo nacional de reconhecimento de sustentabilidade. Não vai ser difícil para muitas das nossas empresas e cooperativas cumpri-lo já que o cumprem de motu proprio na maioria dos requisitos, senão todos, que servirão de referência para esse reconhecimento. Tal sustentabilidade, a que as Resoluções OIV-VITI 641-2020 e OIV-CST 518-2016 dão a letra, tem que, da parte de Portugal, ter um foco especial na vertente cultural já que de tal podemos tirar partido uma vez que a RDD é a mais antiga região demarcada e regulamentada do mundo e, coincidentemente, o ADV é Património Mundial da Humanidade, Paisagem Cultural Viva e Evolutiva, reconhecida pela UNESCO. Além de que a especificidade de cada região e dos seus processos de vinificação tem de reflectir-se no carácter do vinho produzido e o torna especial e único e isso deve ser explicado ao consumidor e estimular a willing to pay por esse produto sustentadamente diferenciado.

Assim, a sustentabilidade económica, social e ambiental deve articuladamente compreender a sustentabilidade cultural a que aludem aquelas Resoluções da OIV. Mas vai ser mais difícil, se bem que não é impossível, ao Vinho de Portugal, conseguir pôr-se à velocidade a que internacionalmente o sector tem incorporado a inovação relacionada com a sustentabilidade: novas embalagens e formas de transporte, novos perfis de vinho, novas atitudes comerciais perante as novas gerações. Não se fale só de substituir vidro pesado por vidro leve: falemos de alterar o formato das garrafas para melhor eficiência na ocupação do espaço de transporte; de substituir vidro por outros materiais; de diversificar as formas e tipos de bag-in-box, assim como formatos e capacidades de vinho em lata; de produzir vinho de categorias mais leves em grau alcoólico para competir com bebidas de graus congéneres, etc. etc. É claro que irá sempre haver espaço para todos os que, como nós hoje aqui, queremos continuar a poder tirar ou fazer saltar a rolha a uma garrafa e bebê-la com estilo, apreciá-la a gosto com os nossos amigos, mas a concorrência internacional neste campo é cada vez mais forte e será suicídio ignorá-la.

De hoje para amanhã deveremos também poder entrar num restaurante ou numa tasca castiça, apontar o nosso iPhone ao QRcode e seleccionar de qual bag, da fila dos coloridos e impressos com imagens cativantes e sedutoras, pendurados em cima do balcão na caixa de acrílico em ambiente de temperaturas controladas, queremos preencher o nosso copo! Também vai ser mais difícil ao Vinho de Portugal - mas tem que ser capaz, chamando ao seu campo investigadores, académicos e opinion-makers que saibam argumentar contra a demagogia - resistir à onda anti-álcool que se aproxima e que o toma, ao vinho, como alvo principal, já que assim congrega na sua ofensiva interesses múltiplos a que se somam alguns do próprio sector do álcool e que beneficiarão se diminuir a quota de mercado do vinho relativamente à de outras bebidas alcoólicas. Saber argumentar defensiva e afirmativamente será cada vez mais importante em diferentes fóruns: no da saúde, no do marketing, nos do aprovisionamento de entidades e mercados.

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O Vinho de Portugal tem um problema: o do Vinho do Porto. Que tem que resolver. Desde há anos que tem descido a exportação, desde há anos que tem descido o seu consumo. Esta descida é má para o Vinho do Porto e é muito má para o Vinho de Portugal. Se na sua esteira se fizeram outrora exportações de outros vinhos, nalguns casos o Porto hoje em dia segue à boleia de encomendas de outros. E isto não pode ser. Perdemos todos.

No capítulo pósfacio '20 Anos Depois do seu DOURO, RIO, GENTE E VINHO', António Barreto já tocou de forma transparente este assunto, em 2014, chamando a atenção para algo que ele entendia que 'O Douro parece estar a conseguir algum êxito num domínio de tradicional dificuldade: renovar, fazer evoluir e mudar, mas preservar o essencial'. Todos nos convencemos que sim. O enoturismo, a Ribeira de Gaia, os investimentos no Douro, os novos produtos Portonic, o Pink. Claro que a pandemia fez um hiato. Claro que tudo pode e vai dar a volta… Wishfull thinking! Há que fazer muito mais. Como disse também António Barreto 'A experiência e a cautela, bem doseadas, e a ousadia, são as receitas'. E são. Por isso, há que resolver o problema, tomar decisões e partir para uma política comercial agressiva, ousada, moderna e mundial. Com um plano decidido interprofissionalmente. Não é compreensível que no país do Vinho do Porto folheemos revistas e jornais em que não haja artigos de informação e publicidade sobre Vinho do Porto. Está presente na nossa História, e de que maneira!, mas está ausente das nossas ementas de restaurantes! É inaceitável que haja bares em Portugal nas praias, nos hotéis, nos restaurantes, sem um cartaz moderno sobre Vinho do Porto! É inaceitável que os jornais e revistas de grande circulação internacional não tenham, de forma regular, propaganda e artigos e não só nas revistas sobre vinhos, também nas revistas de outros públicos porque é em públicos novos que devemos procurar novos consumidores.

Se a população mundial aumenta, potencialmente aumenta o número de consumidores. Tudo isso custa caro? Muito mais caro a Portugal está a custar a diminuição das exportacões e de consumo de Vinho do Porto. Fizeram-se estudos sobre os porquês, façam-se mais estudos, como se queira, mas, por favor, passe-se à acção! Andar a rondar as 100 000 pipas anuais de benefício sem daí descolar será aceitar com resignação a decadência dum produto cujo potencial tem ainda muito para dar e por muitos e bons anos! Estabeleçam-se metas para a sua resolução mas não se perca mais tempo!

Um grande futuro

O Vinho de Portugal tem um grande futuro! Em primeiro lugar, pelo seu grande passado. Dos três produtos alimentares portugueses emblemáticos, identitários e de distribuição em grande escala, as conservas, a cerveja e o vinho, este último é aquele que ainda antes da nossa nacionalidade já se encontrava no território, de norte a sul e do interior ao litoral, essencial à economia, como vinho, como vinagre e, mais tarde, também como destilado, mantido em utilização ininterrupta até hoje, presente na alimentação, na indústria, na medicina e na religião, nas nossas cidades e aldeias e nas nossas comunidades espalhadas pelo mundo, companheiro nas nossas viagens, factor de civilização e desenvolvimento dos nossos territórios, lastro seguro e essencial da nossa balança de pagamentos.

Em segundo lugar, pela maleabilidade e tangibilidade do seu investimento, passível de rápidas transformações e convertibilidade, associação ao turismo e factor de percepção de valores associados à natureza, ao bem-estar, à saúde, com reconhecimento internacional e, como tal, elemento seguro para aplicações de capital.

Em terceiro lugar, pela grande biodiversidade das castas que lhe dão origem, garantia de carácter e, ao mesmo tempo, de resiliência perante a evolução climática que se verifica, em que, fatalmente, algumas castas terão de mudar de localização para continuar produtivas e outras irão ocupar esses espaços para que a produção se possa manter nesses terroirs. A nossa grande biodiversidade é o grande trunfo para que não tenhamos que produzir vinhos iguais aos outros, de perfil de três ou quatro castas e que só com heterodoxos cruzamentos híbridos sobreviverão dentro de décadas. A nossa biodiversidade vitícola terá que ser mantida em investigação permanente e evolutiva como o tem feito a PORVID para detecção e multiplicação dos clones intravarietais que permitam fazer face aos desafios climáticos e exigências ambientais: será a grande chave para a manutenção saudável e produtiva dos nossos vinhedos.

Finalmente, porque o Vinho de Portugal é feito com a nossa vontade, a de um povo que quis o mar e o teve, como nos sussurra Pessoa, e nos ensina a arte de ver a história de cada um, como dizia tão bem o argentino (também português pela sua costela duriense) Jorge Luís Borges.

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Nota Final

Estive em funções como Vice-Presidente do IVV desde 7 de Janeiro de 2019 até 20 de Julho de 2021. Foram dois anos e meio cheios, desafiantes e em que tive o privilégio de me integrar numa competentíssima equipa técnica e, com um acolhimento amável da parte do Presidente e total solidariedade, trabalharmos juntos de forma próxima para que uma série de diplomas pudessem ser finalmente publicados (o DL 61/2020 e a Portaria 142/2021, entre outros); alguns conceitos ser incluídos no Vitis (o das vinhas históricas, por exemplo, para o qual contámos com a colaboração sábia de Bianchi de Aguiar, de Jorge Dias e de técnicos da DRAPNorte); ser actualizada a lista de castas correspondendo a expectativas de CVRs, Institutos e operadores económicos; ser iniciado o desenho de novas DOP no futuro (por exemplo a das Arribas, incluída no leste da de Trás-os-Montes confinante com a das Arribes espanhola e que ainda carece de estudo e de aprovação do CG da CVRTM); terminadas portarias de regulamentos de DO e IG de algumas regiões que o aguardavam há anos; alterada a legislação do SVC que, finalmente, se pôde estender a todo o País; produzidos os projectos de medidas de emergência que no âmbito da pandemia Covid-19 foram assumidos pela tutela e ainda uma série de outros trabalhos que seria fastidioso aqui trazer mas dos que, a seu tempo, a informação foi prestada aos conselheiros do Conselho Consultivo do IVV.

Também acompanhei de forma permanente, mas sem intervenção directa, por desnecessária, toda a Presidência Portuguesa da União Europeia que decorreu entre 1 de Janeiro e 30 de Junho, tendo tal sido uma experiência inesquecível da competência dos técnicos superiores portugueses que da parte do GPP e do IVV intervieram nos diferentes assuntos do dossier vinha, vinho e bebidas espirituosas, sem os quais seria impensável alcançar os bons resultados que tivemos. É espantosa a dedicação, trabalho e proficiência das escassas dezenas de funcionários do IVV que vi multiplicar por estes e muitíssimos outros assuntos que são competência deste Instituto e cumprir, perante os stakeholders, a Tutela, o IFAP e o GPP, com quem a articulação é forçosamente próxima tal como com a ASAE e o IPAC, e ainda a IGAMAOT, o TContas e as DGAGRI e DGSANTÉ que nos auditam, sem esquecer os tribunais onde decorrem processos de contencioso.

O conjunto de edifícios em que está a sede do IVV, património da Vitivinicultura Nacional, constituído pelo Palacete Amélia Leite Ferreira, pelo edifício Cassiano Branco e pelo Pavilhão Seabra (sobre o qual está a sede da ViniPortugal) cumprirá um século nestas funções no final da próxima década, dentro de dezena e meia de anos bem contados, dezasseis, precisamente. As vindimas daqui até lá produzirão muitos milhões de toneladas de uvas e estas muitos milhões de hectolitros de vinhos, aguardentes e brandies, álcool, portonics, pinks e outras novidades. Que esse centenário, quando chegar, signifique que o sector esteja mais rico, com mais qualidade e com cada vez mais orgulho no Vinho de Portugal!

Para terminar, um brinde, com todos a acompanhar-me: viva o bom Vinho de Portugal!

* Director Regional de Agricultura e Pescas do Norte (2011-2018) e Presidente do IVV (2019-2021).

O autor escreve mediante as regras do Antigo Acordo Ortográfico.

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