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A Agricultura de Conservação e um exemplo de experimentação em Portugal: projeto CAMA

Gabriela Cruz1; Ana Paiva Brandão1; Ricardo Vieira Santos1; Ana Sofia Almeida2; Benvindo Maçãs2, José Coutinho2, Armindo Costa2

1 APOSOLO

2 INIAV – Elvas

22/11/2021

Esta é a primeira parte de um artigo centrado no projeto CAMA. A segunda parte será publicada na edição n.º 6 da Revista Agriterra.

A Agricultura de Conservação

A Agricultura de Conservação/Regenerativa (AC), considerando a definição da FAO (FAO, 2021), constitui uma abordagem à agricultura regenerativa e sustentável que assenta em 3 princípios:

  • distúrbio mínimo do solo/sem mobilização – não mobilização, sementeira direta ou mobilização na linha;
  • cobertura permanente do solo - palha, restolho e culturas de cobertura;
  • diversificação de culturas – rotações, sequências e/ou consociações de culturas económica, ambiental e socialmente adaptadas.

A AC inclui sistemas de sequeiro e regadio como:

  • culturas anuais;
  • culturas perenes;
  • sistemas agroflorestais;
  • sistemas agropecuários;
  • pastagens.

A Mobilização de Conservação (MC) de acordo com Reicosky (2015):

  • inclui um vasto conjunto de práticas de mobilização cuja intensidade de mobilização é inferior às práticas convencionais;
  • considera a cobertura do solo com resíduos/biomassa de culturas;
  • promove o aumento da infiltração de água e redução da erosão.

As práticas de AC, apesar de não serem aplicáveis a todas as culturas e em todas as condições edafoclimáticas, apresentam as seguintes vantagens (Mansinho et al., 2018):

  • redução dos custos de mobilização e preparação do solo para a sementeira;
  • aumento do teor em matéria orgânica e da biodiversidade do solo;
  • melhoria da estrutura do solo, diminuindo os problemas de encharcamento e má drenagem e facilitando a transitabilidade;
  • redução de emissões de gases de efeito de estufa e sequestro do carbono no solo.

As desvantagens identificadas no curto prazo são (Mansinho et al., 2018):

  • custos elevados de aquisição de equipamento adequado e da formação dos operadores;
  • limitação de oferta do tipo de discos, em Portugal, dificultando a difusão das práticas de AC em algumas culturas;
  • necessidade de experimentação, como por exemplo a escolha de técnicas a utilizar em determinadas culturas.

Em Portugal as culturas para as quais existe experiência consolidada em AC são os cereais, as pratenses, as leguminosas, o girassol, estando generalizado o enrelvamento das entrelinhas das culturas permanentes (olival, vinha e fruteiras) (Mansinho et al., 2018).

A adesão dos agricultores (área e nº de beneficiários) portugueses, em Portugal Continental, à medida agroambiental de Conservação do solo (7.4.1 e 7.4.2) constitui atualmente o proxy - indicador indireto - mais indicado para contabilizar a área dedicada à AC/MC em Portugal, devido à rigorosa definição das práticas que considera e aos compromissos associados.

Em 2021, com a possibilidade do início de um novo ciclo de compromissos à medida de Conservação do Solo verificou-se uma inversão da tendência decrescente registada entre 2015 e 2020, tendo a adesão aumentado nomeadamente na prática de enrelvamento da entrelinha de culturas permanentes. Relativamente aos valores médios do período 2015-2020 os aumentos foram, em área, de 202% (para 95.408 ha de área em 2021) na adoção da prática de enrelvamento da entrelinha de culturas permanentes e de 7% (para 18.018 ha de área em 2021) na sementeira direta ou mobilização na linha. Comparativamente aos anos anteriores as candidaturas no ano de 2021 evidenciam as verdadeiras intenções dos agricultores de adesão às práticas de AC (IFAP, 2021).
Em Portugal Continental o documento de Diagnóstico do Objetivo Específico 5 (2020) no âmbito do PEPAC 2023-2027 identifica 3 pressões sobre o Solo: o Índice de Aridez, o Teor Total de Carbono nos Solos Agrícolas, e a Erosão do Solo pela Água. As pressões referidas resultam, essencialmente, das condições edafoclimáticas e das práticas culturais desadequadas (GPP, 2020). As práticas de AC/MC ao promoverem a gestão sustentável e a resiliência dos solos agrícolas e florestais constituem uma alternativa técnica capaz de contrariar o processo de degradação do solo que tem vindo a ser registado – como a erosão, a perda de fertilidade e de biodiversidade, e da compactação dos solos.

Projeto europeu CAMA: contributos para a adoção da Agricultura de Conservação na Região Mediterrânica

O projeto CAMA1 - Abordagens participativas baseadas na investigação para a adoção da Agricultura de Conservação na Região Mediterrânica, que está a ser desenvolvido em vários países da região mediterrânica, pretende identificar e ultrapassar as principais barreiras, económicas, agronómicas e sociais que impedem a adoção das práticas de Agricultura de Conservação nos países do Mediterrâneo. Este projeto em Portugal está a ser desenvolvido pelo INIAV e pela APOSOLO.

O INIAV - O Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I. P. é o Laboratório de Estado, da área de competências da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, que desenvolve atividades de investigação nas áreas agronómica e veterinária. O Polo de Inovação do INIAV situado em Elvas (Estação de Melhoramento de Plantas) é a unidade de investigação onde se desenvolvem os Programas de Melhoramento de Portugal incluindo cereais (trigo mole e duro, aveia, triticale), leguminosas para grão e forragens desde 1942.

A APOSOLO – Associação Portuguesa de Mobilização de Conservação do Solo, fundada em 1999, é uma associação privada sem fins lucrativos de agricultores, investigadores, empresas, estudantes e outros interessados na adoção, em Portugal, de práticas da Agricultura de Conservação – distúrbio mínimo do solo, cobertura permanente do solo e diversificação de culturas.

A atividade da APOSOLO foca-se no desenvolvimento, experiência e transferência de conhecimento da Agricultura de Conservação.

A APOSOLO é membro fundador da ECAF – Federação Europeia de Agricultura de Conservação – desde 2001.

O projeto recorre à utilização de uma abordagem de investigação participativa baseada no recurso a ensaios de campo e de casos-piloto em várias condições e no desenvolvimento de um extenso programa de divulgação e formação. O consórcio inclui 13 entidades de 8 países da bacia do Mediterrâneo, estando Portugal representado pelo INIAV e pela APOSOLO. As duas entidades participam essencialmente nos Grupos de Trabalho 2, 3 e 7, sendo este último dedicado à divulgação, capacitação e transferência de conhecimento. A APOSOLO é líder do Grupo de Trabalho 2 dedicado à identificação das barreiras socioeconómicas à adoção da AC.

Definir o que é necessário investigar e experimentar utilizando uma abordagem participativa e recorrendo a campos de demonstração no Alentejo

No grupo de trabalho 3 deste projeto, os produtores locais que utilizam AC juntamente com o INIAV e a APOSOLO, definem as principais necessidades de investigação e implementam campos de demonstração. Os agricultores e técnicos estão a testar soluções inovadoras em campo, em relação a vários aspetos práticos da AC em diferentes condições.

O trabalho a desenvolver foca-se em 4 temas - controlo das infestantes; sementeira; fertilização e rotação de culturas - considerados como relevantes na melhoria da implementação e do sucesso das práticas de AC.

A abordagem experimental de diagnóstico é feita através do Diagchamp field diagnosis, que é uma metodologia desenvolvida pelo parceiro francês do Consórcio, o instituto técnico ARVALIS - Institut du végétal. A metodologia segue um protocolo que envolve diretrizes sobre a recolha de dados edafoclimáticos, sobre o itinerário técnico e ainda a monitorização das culturas.

Esta metodologia vai ser aplicada durante os 3 anos do projeto, tendo ocorrido já o 1º ano de diagnóstico na campanha agrícola passada (2020/21), o 2º ano do projeto ocorrerá em 2021/2022, campanha em que serão propostas melhorias, com respetiva implementação, e o 3º ano (2022/2023) será o ano de avaliação do impacto e efeitos das melhorias implementadas.

Diagnóstico dos campos de demonstração em 2020/2021

Em Portugal, o INIAV e a APOSOLO acompanharam, durante a campanha de 2020/2021, 4 parcelas de demonstração (Figuras 1 e 2) que consistem em áreas de 400 m2 dentro de campos reais no Alentejo (Tabela 1), em explorações agrícolas de agricultores que incluem a rede de utilizadores locais de AC já referida. Todas as parcelas foram instaladas com sementeira direta.
Figura 1. Vista geral do campo D situado em Elvas (parcela semeada com trigo mole conduzido em pluvial, sem rega complementar)...
Figura 1. Vista geral do campo D situado em Elvas (parcela semeada com trigo mole conduzido em pluvial, sem rega complementar).
Tabela 1. Localização dos campos de demonstração

Tabela 1. Localização dos campos de demonstração.

Figura 2. Vista geral do campo A situado em Campo Maior (parcela semeada com trigo mole conduzido com rega complementar)...
Figura 2. Vista geral do campo A situado em Campo Maior (parcela semeada com trigo mole conduzido com rega complementar).

Para a realização do diagnóstico agronómico são necessárias três ações importantes as quais incluem:

1) a monitorização técnica da parcela, nomeadamente, é necessário conhecer o itinerário técnico de condução da cultura; analisar o solo e conhecer os seus teores em azoto em diversas fases do ciclo da cultura (Figura 3); conhecer os dados meteorológicos da campanha agrícola; e recolher uma série de dados relacionados com a cultura, os quais incluem, densidade de população (Figura 4), datas fenológicas (Figura 5), stresses bióticos, componentes da produção, produção, biomassa à floração e à maturação (Figura 6), proteína do grão, entre outros.

Figura 3. Recolha de amostra de solo para análise de azoto residual na parcela do Campo B (março 2021)
Figura 3. Recolha de amostra de solo para análise de azoto residual na parcela do Campo B (março 2021).
Figura 4. Determinação da densidade de plantas no início do afilhamento no Campo A (fevereiro de 2021)
Figura 4. Determinação da densidade de plantas no início do afilhamento no Campo A (fevereiro de 2021).
Figura 5. Determinação da fase fenológica do Campo A (fevereiro 2021)

Figura 5. Determinação da fase fenológica do Campo A (fevereiro 2021).

Figura 6. Recolha de amostras para determinação da biomassa à ântese na parcela do Campo C em Monforte (abril 2021)...

Figura 6. Recolha de amostras para determinação da biomassa à ântese na parcela do Campo C em Monforte (abril 2021).

2) a utilização do modelo CHN (C-carbono; H-água; N-azoto) desenvolvido pelo instituto Arvalis o qual permite simular o potencial máximo de produção das parcelas de demonstração, em função das condições agroclimáticas que ocorreram e da condução em azoto durante o ciclo de cada uma das culturas.

3) a comparação dos resultados reais obtidos nas parcelas com os resultados obtidos pelo modelo agrofisiológico CHN, considerando o tipo de solo em questão, o clima durante a campanha, a variedade e a data de sementeira.

Com este diagnóstico – Diagchamp – o qual inclui as observações na parcela ao longo da campanha, as medições efetuadas em estágios-chave do ciclo de desenvolvimento do trigo e a análise dos componentes da produção obtidos (nº de espigas, número de grãos/espiga, peso do grão), será possível explicar a diferença entre a produção potencial e a produção real (Figura 7).

Figura 7. Metodologia Diagchamp field diagnosis desenvolvida pelo parceiro francês do Consórcio, o instituto técnico ARVALIS - Institut du végétal...
Figura 7. Metodologia Diagchamp field diagnosis desenvolvida pelo parceiro francês do Consórcio, o instituto técnico ARVALIS - Institut du végétal.
A análise permite evidenciar os fatores que limitam o desempenho da cultura, ou, ao contrário, evidenciar um melhor funcionamento do que o esperado e, assim, detetar uma “alavanca agronómica positiva”.

Bibliografia

  • FAO. Conservation Agriculture. Disponível em: http://www.fao.org/conservation-agriculture. Acesso em: 12 de abril de 2021.
  • GPP, 2020. Plano Estratégico da PAC 2023-2027. Objetivo Específico 5 Promover O Desenvolvimento Sustentável e uma Gestão Eficiente de Recursos Naturais como a Água, os Solos e o Ar. Disponível em https://www.gpp.pt/index.php/pepac/plano-estrategico-da-pac-2023-2027-consulta-alargada. Acesso em: novembro 2020.
  • IFAP. Dados Candidaturas PU. Medidas Agro Silvo-Ambientais. GPE – APEP. Disponível em https://www.ifap.pt/web/guest/dados-candidaturas2021. Acesso em: 2021.
  • Mansinho, M.I., Madureira, L., Fontes, M. A., Henriques, P.D., Cruz, G. e Rosa, T., 2018. Capítulo 10 Agricultura e Ambiente, 10.4 Reencontro com a natureza através da sustentabilidade da agricultura. In A empresa agrícola. Das folhas do feitor à gestão ambiental, M. I. A. Mansinho (coordenação), pp 603-610. Imprensa de Ciências Sociais, Lisboa, Portugal.
  • Reicosky, D.C., 2015. Conservation tillage is not conservation agriculture. Journal of Soil and Water Conservation. SEPT/OCT 2015 - Vol. 70, Nº. 5, pp. 103a-108A.

1 http://www.camamed.eu/pt/index.php

O projeto CAMA faz parte do programa PRIMA, apoiado pelo programa de investigação e inovação Horizonte 2020 da União Europeia ao abrigo do contrato de financiamento nº. 1912.

A parte II deste artigo será publicada na próxima edição. Na mesma serão apresentados os resultados obtidos com a metodologia apresentada e o diagnóstico do Diagchamp field diagnosis.

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