Chaparro Agrícola e Industrial, S.L.
Informação profissional para a agricultura portuguesa

'Green Deal: do prado ao prato, como fazer a transição?'

Pedro Fevereiro

Diretor Executivo – InnovPlantProtect

Professor Catedrático Convidado ITQB-NOVA

Membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida

15/07/2022
Num cenário em que se prevê que a população global atinja 8,3 mil milhões de pessoas em 2030, e em que a FAO considera que “o mundo precisará produzir cerca de 35-50% mais de alimentos e energia, juntamente com 30% mais de água potável, enquanto mitiga e se adapta às mudanças climáticas”, a Estratégia do Prado ao Prato diz pretender “enfrentar os desafios e acelerar a transição para sistemas alimentares sustentáveis, para garantir que os fundamentos económicos, sociais e ambientais da segurança alimentar e nutricional não sejam comprometidos para as gerações atuais e futuras”.
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O Green Deal enfatiza “a possibilidade de uma transição justa para todos os atores dos sistemas alimentares, em que as desigualdades sociais sejam reduzidas, a pobreza alimentar seja abordada e um rendimento justo para todos os atores seja assegurado. Requer e baseia-se em soluções inovadoras que podem ser ampliadas, como práticas agroecológicas e orgânicas, fontes alternativas de proteína (por exemplo, à base de plantas, algas, à base de insetos, entre outras), alimentos sustentáveis dos oceanos e aquicultura e aconselhamento personalizado sobre dietas saudáveis e sustentáveis”.

Em particular, esta estratégia estabeleceu três objetivos para atingir até 2030: 1) a redução de 50% no uso e risco de pesticidas químicos; 2) a redução de 50% no uso de pesticidas mais perigosos; e 3) ter 25% da agricultura europeia em modo de produção orgânico.

Sendo desejável a adoção de modos de produção agrícola mais sustentáveis, as metas acima definidas são, do meu ponto de vista, irrealistas, sobretudo nos prazos definidos. A redução de 50% do uso de fitofármacos implica a reconversão de toda a indústria que desenvolve produtos e serviços para a proteção das culturas e o desenvolvimento, em apenas 8 ciclos agrícolas, de novas soluções, num cenário de crise ambiental imposta pela rápida mudança do clima e o aumento médio da temperatura, que afeta particularmente a Europa do Sul. O aumento da temperatura média e a globalização da circulação de bens e produtos agrícolas trouxeram a dispersão de pragas e doenças para as quais, em muitos casos, não existem soluções no mercado, que, quando/se aparecerem, levarão 10-12 anos a chegar ao mercado.

Do meu ponto de vista existe uma falta de adesão à realidade dos defensores destes objetivos: a descontinuidade de um grande número de soluções para a proteção das culturas, inclusive, algumas utilizadas em modo de produção orgânico, deixa os agricultores na eminência da perda sistemática de produções. Esta estratégia de obrigar a agricultura a determinados modos de produção, não deixando sequer tempo para uma adaptação é, no meu entender, suicida para uma produção agrícola sustentável, ao invés daquilo que se pretende alcançar. É, portanto, exigível reequilibrar este Green Deal para o ajustar à realidade.

A “transição justa” que se protagoniza, no contexto do Green Deal, será feita à custa de onerar os extremos da cadeia de valor: por um lado, obrigam-se os produtores a serem menos eficientes e a custos de produção mais elevados; por outro lado, protagoniza-se o encarecimento dos alimentos e outros produtos de origem agrícola, a suportar pelos consumidores, como se todos os agricultores europeus vivessem na abastança, a população europeia fosse toda rica e, em particular nos países do Sul, não existisse um número significativo de pessoas a viver no limiar da pobreza. A esta perspetiva adiciona-se a “educação” para “dietas sustentáveis”, leia-se a imposição às populações de determinadas dietas, numa perspetiva quase orwelliana.

A meta de 25% em modo de produção orgânico é não só inatingível, mesmo que se considerem em modo de produção orgânica os prados permanentes, mas implica uma redução da capacidade de produção de alimentos (quando existe uma necessidade extrema de aumentar as produtividades) e um aumento do custo ao consumidor, reduzindo a capacidade de manutenção da soberania alimentar em vários países. Parece que a decisão de estabelecer estas metas foi tomada por pessoas em gabinetes e não por conhecedores da realidade agrícola e da disponibilidade orçamental das famílias na Europa.

Estes objetivos teriam também de ser perspetivados em função das relações comerciais com países terceiros. No entanto, parece que não se tiveram em conta os acordos comerciais internacionais e não se acautelaram situações de desvantagem competitiva dos agricultores europeus face a congéneres de países terceiros, que produzem com modernas tecnologias e que veem os seus produtos colocados nos mercados internacionais a preços competitivos, ao mesmo tempo que têm maiores produtividades e uma redução do uso de fatores de produção face aos agricultores europeus.

“Não é construindo utopias ecológicas, descentradas das realidades, que se consegue criar sustentabilidade na produção agrícola”, diz Pedro Fevereiro...
“Não é construindo utopias ecológicas, descentradas das realidades, que se consegue criar sustentabilidade na produção agrícola”, diz Pedro Fevereiro.
Voltando ao início: é seguramente desejável que a produção agrícola caminhe para modos de produção o mais sustentáveis possível, participando no processo de descarbonização da produção, reduzindo o seu impacto nas emissões de carbono, reduzindo a aplicação de compostos e nutrientes ambientalmente prejudiciais, utilizando eficientemente a água disponível e participando no processo de mitigação das alterações climáticas em curso. Isto terá, no entanto, de ser feito garantindo também a sustentabilidade social e económica, que parece ter sido esquecida ou apenas pensada para (ou pela) população europeia abastada e citadina.

Não é construindo utopias ecológicas, descentradas das realidades, que se consegue criar sustentabilidade na produção agrícola. É ainda necessário compreender que na Europa dos 27 coexistem várias agriculturas e vários sistemas agro-ecológicos. Os países europeus da bacia do Mediterrâneo estão particularmente vulneráveis às variações climáticas em curso, com o aumento da incidência de novas pragas e doenças e fenómenos de seca prolongados. Portugal, em particular, tem uma parte significativa dos seus solos degradados e o seu território alberga várias agriculturas que têm que conviver, mas que também têm que sobreviver. Não só a bem da soberania alimentar, mas também da soberania e densificação territorial.

Exige-se, portanto, um repensar deste Green Deal, em particular tendo em conta a situação de guerra na Europa, a qual não parece ser resolúvel em curto tempo e que pressiona em alta os preços de todos os fatores de produção e da energia, para além dos produtos alimentares. Espera-se que os líderes europeus, apesar da morosidade dos processos de tomada de decisão, compreendam esta urgência e sejam capazes de ultrapassar todos os escolhos para colocar rapidamente esta PAC num caminho de verdadeira sustentabilidade da agricultura europeia.

Finalmente, “como fazer a transição?”: 1 – compreendendo o mundo agrícola; 2 – compreendendo as condicionantes da produção primária nas diferentes regiões; 3 – compreendendo que a sustentabilidade ambiental é fundamental, mas que sem sustentabilidade social e económica haverá ainda uma maior desertificação das áreas agrícolas, menos agricultores e menos agricultura; 4 – com mais equilíbrio nas medidas a implementar; 5 – com uma proposta de valor que o distribua por toda a cadeia; 6 – com a utilização de todo o conhecimento científico existente (e as suas aplicações) sem demagogias ecojustificadas; 7 – com uma melhor agricultura, não entendida como um poder mas como um bem, valorizando o trabalho agrícola e o produtor.

“Exige-se um repensar deste Green Deal, em particular tendo em conta a situação de guerra na Europa, a qual não parece ser resolúvel em curto tempo e que pressiona em alta os preços de todos os fatores de produção e da energia, para além dos produtos alimentares”

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