60% da área de cerejeira representada pela Cerfundão está em plena produção, com um potencial produtivo de 1100 toneladas
A Cerfundão é uma sociedade por quotas e uma organização de produtores que integra 25 sócios produtores. No conjunto detêm 300 hectares (ha) de cerejeiras, 150 ha de pessegueiros, 40 ha de macieira, 30 ha de pereiras e 20 ha de marmeleiros.
O objetivo da Cerfundão é agregar valor aos sócios ligados à fileira da fruta na região da Cova da Beira, uma sub-região histórica portuguesa que faz parte integrante da Beira Interior, abrangendo o distrito de Castelo Branco e a Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela.
O peso da cereja é grande, pelo que a Agriterra procurou aferir junto de Filipe Costa, gerente da Cerfundão, qual o estado deste cultivo e quais as perspetivas para o futuro. 60% da área de cerejeira representada pela Cerfundão está em plena produção, com um potencial produtivo, em condições climáticas adequadas para o desenvolvimento equilibrado da cultura, de 1100 toneladas.
2023 foi um ano mau para a cereja. Perspetivas para 2024 ainda não existem, pois as cerejeiras ainda estão em fase de dormência e dependentes das condições climáticas dos períodos de floração, vingamento e colheita. A colheita das cerejas acontece entre maio e julho.
Sobre a campanha de 2023, Filipe Costa recorda que “correu bastante mal”, devido às condições climáticas adversas quer nos períodos de floração e vigamento quer posteriormente, durante a colheita. “As quebras globais de produção foram muito próximas dos 60% devido ao impacto que teve a formação de geadas e alguns dias com elevadas temperaturas durante a floração, que ficou mediada entre a última quinzena de março e a primeira quinzena de abril”. O gerente da Cerfundão explica que “estas elevadas oscilações térmicas prejudicaram a polinização e por consequência, o vingamento das cerejeiras”.
Algumas variedades tiveram vingamentos reduzidos e, em alguns casos, houve mesmo ausência de produção. Segundo o responsável, estas circunstâncias viriam a ter um “forte impacto negativo na rentabilidade da própria operação da colheita e na escassez de oferta de cereja nos mercados”.
Em plena campanha, o azar voltou a bater à porta, pois “no início de junho, tivemos cerca de 80 mm de precipitação durante três dias, o que provocou estragos consideráveis na fruta, com elevada percentagem de fendilhamento e consequente desenvolvimento de doenças em pré-colheita que inviabilizaram a comercialização das cerejas danificadas”.
Depois de um ano muito penalizador, os produtores tiveram dificuldades na preparação da nova campanha. “Nesta fase é ainda muito prematuro fazer qualquer prognóstico ou avançar com quaisquer perspetivas [para a campanha de 2024], uma vez que as cerejeiras estão a sair do seu período de dormência e a iniciar o seu ciclo vegetativo, estando na fase de abrolhamento dos gomos”.
Filipe Costa explica que “a definição de uma boa ou má campanha depende das condições climáticas determinantes para a qualidade do produto final (que ocorrerão desde o período de floração até à fase da colheita), para o desempenho comercial nos mercados e para a relação entre oferta e procura”.
Questionado sobre quais são os principais desafios para a cultura da cereja no curto e médio prazo, Filipe Costa assinala a “adaptação da cultura aos fenómenos climáticos adversos e à maximização da rentabilidade agronómica”. É o caso das geadas no período de floração e vingamento ou da ocorrência de granizo e de precipitação no período de colheita (maio a julho).
Além disso, os produtores têm tido dificuldades em encontrar mão de obra disponível para trabalhar, especialmente na época da colheita da cereja, “quando há uma maior exigência, devido à perecibilidade do fruto e à reduzida janela de oportunidade de maturação na árvore”.
Filipe Costa fala da dificuldade de conjugar o ponto ideal de maturação com a colheita efetiva, quando há escassez de trabalhadores nacionais disponíveis. Algumas carências mais urgentes têm vindo a ser mitigadas com o recurso a mão de obra estrangeira através de parcerias entre a Cerfundão e empresas de trabalho temporário certificadas.
Finalmente, a fileira tem sido prejudicada, nos últimos dois anos, pelo aumento de custos de importantes fatores de produção como a energia, os combustíveis, os fertilizantes e os fitofármacos, não esquecendo também a subida dos custos da mão-de-obra e a elevada carga fiscal associada, lamenta o gerente da Cerfundão.
Mas há também oportunidades para o sector, ao nível da inovação e do desenvolvimento. Filipe Costa dá três exemplos.
Na componente agronómica as oportunidades passam por melhorar a oferta varietal disponível, na sua adaptabilidade às alterações climáticas, no seu rendimento produtivo, mas também nas suas qualidades organoléticas para o consumidor final.
Para mitigar o impacto das condições climáticas adversas é possível instalar estruturas de cobertura para reduzir o impacto da precipitação e do granizo ou instalar torres antigeadas para diminuir o impacto nefasto da formação de geada no período de floração e vingamento.
Finalmente, Filipe Costa refere a incorporação de tecnologia nas operações culturais, na monitorização de variáveis climáticas ou no acompanhamento e sensorização do ciclo vegetativo da cultura, para apoio à tomada de decisão no dia a dia da exploração agrícola.
A Cerfundão tem feito um esforço para a incorporação de inovação na produção agrícola, o que “consideramos ser uma ferramenta essencial para transmitir informação útil para ajudar na tomada de decisão do produtor”.
Filipe Costa exemplifica com alguns projetos, como a programação e automatização de várias funções dos sistemas de rega, a instalação de sondas de monitorização da humidade no solo a diversas profundidades, as estações meteorológicas de monitorização de parâmetros climáticos e os painéis fotovoltaicos para autoconsumo, que reduzem os consumos energéticos da rega.
O responsável assinala que alguns sócios da Cerfundão “têm também cobertas algumas áreas de pomares para mitigar o efeito das condições climáticas adversas ao desenvolvimento e produtividade da cultura”.
Neste contexto, a organização de produtores está preocupada com a sustentabilidade e a criação de condições para fomentar uma maior biodiversidade nos ecossistemas dos pomares dos nossos produtores. “Apostamos fortemente na certificação dos modos de produção bem como em toda a fase pós-colheita na central fruteira. Temos os produtores certificados em Produção Integrada, em Globalgap e Grasp, e estamos a iniciar um programa ambicioso de Resíduo Zero com um dos principais parceiros comerciais”. O responsável explica que esta estratégia “visa alcançar um produto comercializável sem resíduos detetáveis de fitofármacos nas análises que realizamos à colheita”. A central fruteira está certificada em Cadeia de Custódia e em IFS.
A fileira da cereja do Fundão tem evoluído de forma positiva nos últimos anos “fruto da inovação e experimentação aplicadas na produção, do saber fazer dos nossos produtores e das condições edáficas e climáticas da região que permitem produzir um fruto diferenciador e de elevada qualidade organolética”.
A combinação destas variáveis permitiu registar a denominação Cereja do Fundão Indicação Geográfica Protegida (IGP), que “foi o culminar de um longo processo de criação de uma marca com o selo da União Europeia identificada com uma região, o território e uma fileira”, explica Filipe Costa.
O caminho a percorrer é longo, e passa ainda pela organização comercial e pela criação de escala e dimensão, mas Filipe Costa saúda o “o trabalho desenvolvido, a abnegação e resiliência de toda a fileira”.
www.agriterra.pt
Agriterra - Informação profissional para a agricultura portuguesa