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Opinião

Um ponto de viragem na agricultura europeia

Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal

21/10/2024
É preciso iniciativa e coragem política para encarar os problemas e traduzir as intenções em propostas e medidas concretas

O relatório a propósito do ‘diálogo estratégico sobre o futuro da agricultura’ deve ser visto como o início de um processo construtivo, o qual deverá conduzir a uma visão mais coerente, equilibrada e estratégica da agricultura

A inflexão na forma como os dirigentes europeus encaram o setor constitui um terreno fértil para uma mudança política de fundo que se reflita nas opções que vierem a ser tomadas, no quadro da União Europeia, relativamente ao seu setor agrícola, com reflexo diretamente na Política Agrícola Comum.
Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP)
Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP)

Foi apresentado no início de setembro um relatório da Comissão Europeia a propósito do ‘diálogo estratégico sobre o futuro da agricultura’ na Europa, que, no meu entender, marca um ponto de viragem na forma como os dirigentes europeus têm vindo a encarar o setor ao longo dos últimos anos.

O documento tem por base a análise de um grupo de trabalho constituído por peritos e técnicos oriundos da sociedade civil, o que demonstra uma tentativa de afastamento face aos preconceitos de natureza politico-ideológica que têm condicionado as orientações da Política Agrícola Comum (PAC). Por outro lado, este grupo de trabalho foi constituído na sequência dos protestos dos agricultores da generalidade dos países da União Europeia (UE), o que representa, claramente, um reconhecimento de que é preciso mudar o rumo que tem vindo a ser trilhado relativamente às políticas europeias dedicadas ao setor, alterando as respetivas orientações e metas.

Além disso, o envolvimento direto da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na implementação deste grupo de trabalho e na apresentação do respetivo relatório, confere um grau de importância inquestionável a esta matéria.

Trata-se, portanto, de uma inflexão na forma como os dirigentes europeus encaram o setor, o que me parece constituir um terreno fértil para uma mudança política de fundo que se reflita nas opções que vierem a ser tomadas, no quadro da UE, relativamente ao seu setor agrícola, com reflexo diretamente na Política Agrícola Comum.

Neste sentido, a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) aplaude o consenso acerca do reconhecimento da agricultura e da alimentação como setores estratégicos para a Europa, bem como do imperativo de garantir a segurança alimentar e do compromisso com a sustentabilidade competitiva. São aspetos fundamentais para o setor que, finalmente, parecem ter condições para ser devidamente valorizados no âmbito da União Europeia.

Ainda assim, nem tudo são rosas nesta, supostamente, nova perspetiva europeia sobre o setor. É verdade que o relatório contém uma análise detalhada sobre o estado da atividade agrícola europeia, que nos dá um novo enquadramento sobre esta matéria, mas, na realidade, trata-se de um conjunto de intenções que carece de medidas concretas. É preciso iniciativa e coragem política para encarar os problemas e traduzir as intenções em propostas e medidas concretas, até porque a PAC é a mais relevante política comunitária, à qual está atribuída a maior fatia do orçamento europeu.

Temos, ainda assim, um ponto de partida sólido, o que é substancialmente melhor do que a situação que tínhamos no início deste ano. Os desafios que os agricultores enfrentam atualmente – concorrência desleal nas regras de importação de produtos, rendimentos limitados, aumento dos custos energéticos, renovação geracional, gestão da água e alterações climáticas – acabarão por agravar-se caso este impulso inicial não se consubstancie numa abordagem atempada, coerente, pragmática e orientada para a elaboração de novas políticas.

Neste documento é muito importante a defesa de uma política comercial coerente, instando a Comissão a elevar a importância dos produtos agrícolas e alimentares nas negociações comerciais, especialmente à luz das discussões em curso sobre o acordo UE-Mercosul, entre muito outros aspetos, como as recomendações críticas destinadas a capacitar os agricultores no âmbito da cadeia de valor, a melhorar a transparência, a combater as práticas comerciais desleais.

Este relatório deve ser visto como o início de um processo construtivo, o qual deverá conduzir a uma visão mais coerente, equilibrada e estratégica da agricultura, carecendo agora de medidas políticas concretas, uma vez que nada está concluído. É essa a expetativa que tenho e é esse o caminho pelo qual os agricultores anseiam. Esperemos que seja concretizado o mais rapidamente possível.

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