“Temos de acreditar”. Acreditar que, a breve prazo, haverá melhores condições para capacitar os agricultores em áreas como gestão do solo ou uso eficiente da água. Acreditar que, mesmo num país com “uma média de idade de 64 anos entre os agricultores” e “um interior que está abandonado”, é possível apostar nos agricultores - principalmente nos jovens que se estabelecem em zonas desfavorecidas - com a visão de que se trata de apoiar o desenvolvimento nacional. Em entrevista*, Henrique Silvestre Ferreira alerta que, num contexto tecnológico, “não é possível trabalhar sem formação”, e deixa uma mensagem de esperança, defendendo “mais apoio ao investimento na agricultura”.
Henrique Silvestre Ferreira, presidente da AJAP.
A FNA, em Santarém, é a maior feira agrícola portuguesa e é sempre um privilégio para nós estarmos presentes. Recebemos aqui muitas visitas e queremos mostrar que a AJAP - Associação dos Jovens Agricultores de Portugal, está cada vez mais forte. Temos vindo a crescer nos últimos anos e estamos hoje no terreno com mais de 70 técnicos especializados, em todas as regiões de Portugal. E temos uma missão que para mim, enquanto presidente (e a direção está de comum acordo), é fundamental, e que é afirmar que este ano é um ponto de viragem.
Porque realmente estamos extremamente preocupados com a agricultura portuguesa. Temos uma média de idade de 64 anos entre os agricultores, o que, por si só, preocupa imenso.
Temos vindo a fazer muitas ações, mas esta paragem no governo (eleições de 18 de maio) não veio favorecer os agricultores. A verdade é que na agricultura não se pode perder tempo. Felizmente, na opinião da AJAP, manter o ministro da Agricultura foi uma ótima decisão. No ano passado, nesta mesma feira, anunciou os projetos para os jovens agricultores e sabemos que tem muita vontade em apoiar estes jovens e ajudar a contrariar esta média de idade que me preocupa. Em 2024 assistimos ao aumento do prémio da instalação do jovem agricultor e também do valor de investimento, e esse foi um primeiro passo do ministro que trouxe esperança ao setor agrícola.
A agricultura é o setor fundamental da economia, ou pelo menos um deles, e aqui deixo marcada a opinião da AJAP relativamente à desertificação do interior de Portugal, que está abandonado: a visão de apoiar os agricultores, principalmente os jovens que estão a começar e nas zonas desfavorecidas ou despovoadas, é um apoio para todo o país. Deixar de apoiar a agricultura é desinvestir no desenvolvimento do país.
No último governo vimos cumpridos alguns objetivos – como o apoio à construção de charcas, ou o apoio monetário aos agricultores com juros a 0%, que foi dado num anúncio de mais 150 milhões de euros para o setor –, mas queríamos mais, e parou-se, não se podiam anunciar novas medidas. Anunciou-se a Estratégia Nacional ‘Água que Une’, e esperamos que se concretize. Como sublinhei, a agricultura não para, e essa é a principal questão.
Parou tudo, embora tenham anunciado as candidaturas. A verdade é que, por exemplo, na questão das charcas demorou-se tempo a saber se estavam aprovadas ou não, só vieram a ser aprovadas as com vinte pontos e, entretanto, saiu um anúncio do governo em campanha a prometer que poderia aumentar esse valor de investimento para que uma grande parte delas não fossem chumbadas como foram… o comboio estava a andar e parou.
E essa é a crítica que faço, pois com o problema de falta de água que temos, os agricultores necessitam que estes projetos sejam aprovados. Mas eu quero dizer-lhe mais: quando se fala em Alqueva, fala-se em 150 mil hectares, e o Alentejo tem dois milhões de hectares. Vamos pensar em pôr o nosso Alentejo em regadio? Vamos criar mais zonas de regadio no Algarve (como fez, e bem, a ministra do Ambiente)? Tivemos a felicidade de chover este ano, mas e se não chovesse? Vamos pensar em novas formas de captação de água?
É preciso pensar noutros Alquevas. A verdade é que a agricultura de regadio traz desenvolvimento, traz jovens, traz enriquecimento das zonas. E o Alqueva é a prova disso. Nós precisamos da agricultura de regadio.
A mensagem da AJAP é de esperança. Queremos dizer aos associados que estão connosco para terem esperança no setor, que é primordial para a nossa economia. A AJAP está em contato permanente com o ministro, sente a sua vontade em apoiar e espera que haja mais dinheiro para capacitar os agricultores em novos projetos que irão surgir para gestão do solo, uso eficiente de água, transformação de produtos, compostos orgânicos, etc.. Podermos afirmar que estes investimentos vão acontecer já é uma grande esperança, e os agricultores não devem baixar os braços.
Os agricultores, neste momento, estão frustrados com o que realmente está a acontecer nos últimos anos a nível do desinvestimento na agricultura. E nota-se. Os apoios começaram a perder intensidade, deixaram de acreditar nos agricultores. Mas eu acho que, pelo contrário, temos de acreditar. A agricultura é uma atividade muito difícil, estamos dependentes do São Pedro, que é o maior acionista da nossa vida.
Sem dúvida. Mas como disse o ministro no seminário que a AJAP realizou na Ovibeja 2025, o que precisamos é de “agricultura com menos burocracia”. E temos de pensar que nem todos os agricultores têm um curso académico. Com esta média de 64 anos, há muitas pessoas que nem sequer têm email, computador ou smartphone. A burocracia em si é um problema grave. Está-se a tentar fazer um ‘Simplex’, mas é preciso fazer mais. Acredito que o novo protagonismo dados aos vice-presidentes nas CCDR [Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional] tem ajudado.
Tivemos a 9 de junho o seminário do JER - Jovem Empresário Rural,, que foi extremamente útil. A ideia do JER é criar um estatuto de jovem empresário (que pode ser agricultor ou não) nas zonas rurais, desfavorecidas. Foi mais uma ação da AJAP em prol do desenvolvimento no interior, para que haja captação e fixação de jovens nessas regiões. Esta é uma mensagem fundamental: queremos muito que os jovens agricultores fiquem nas zonas do interior.
A descentralização é extremamente importante. Porque temos de tratar de assuntos de agricultura em Lisboa? Não faz sentido. Já dispomos, por parte do Estado, de edifícios em localizações fora da capital onde podem funcionar, por exemplo, gabinetes do PEPAC. Portanto, esta é uma medida que tem de ser repensada.
Neste contexto, é de destacar que a AJAP faz as suas candidaturas. Temos mais de 70 técnicos muito capacitados no território a apoiar os jovens agricultores, precisamos de técnicos certificados para maior acompanhamento aos projetos e a nossa área de formação tem vindo a crescer muito. Mas temos de ser apoiados a nível governamental, enquanto associação, para podermos alargar essa formação, porque sem ela, e insisto nisto, não é possível trabalhar na agricultura.
A agricultura deu uma volta de 180 graus e hoje há muita nova tecnologia na rega, nos tratores, há drones… é fantástico. Concluindo, vamos pensar no rejuvenescimento do setor, vamos pensar nessa formação que é, realmente, necessária, e estas são as nossas mensagens fundamentais.
E que realmente não se perca a esperança. Essa é a palavra, eu acho, principal, a esperança no setor, no ministro, e a esperança que haja mais apoio ao investimento na agricultura.
Internacionalização “leva as sementes portuguesas pelo mundo”
A nível do trabalho que a AJAP tem desenvolvido fora de Portugal, a associação já conseguiu “dar o pontapé de saída ao curso de formação a jovens agricultoras”, em Moçambique, participar em duas edições de feiras no Rio de Janeiro, no Brasil. “para divulgar os nossos produtos”, e estabelecer um protocolo em São Tomé e Príncipe “para que haja um ‘Erasmus’ de jovens agricultores que possam vir estagiar em empresas portuguesas”, ao mesmo tempo que “os jovens agricultores portugueses vão estagiar em empresas de São Tomé”, explica Henrique Silvestre Ferreira.
Em outubro passado a AJAP participou na Feira Internacional de Macau (MIF 24) com 15 agricultores de 15 empresas agrícolas, num certme que “foi muito competitivo” e que representou “a entrada na produção” agrícola nacional na Ásia. “Já fomos convidados a regressar a Macau e já temos empresas inscritas, mas ainda vamos aumentar o número de participantes”, avança.
Como conclui o presidente da AJAP, o esforço de internacionalização da associação de jovens agricultores “tem sido um trabalho muito intenso e com grandes frutos”, que tem permitido “levar as sementes portuguesas pelo mundo” através de diversos projetos.
*Esta entrevista foi realizada a 9 de junho de 2025, na Feira Nacional da Agricultura, no CNEMA, em Santarém.
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Agriterra - Informação profissional para a agricultura portuguesa