Chaparro Agrícola e Industrial, S.L.
Informação profissional para a agricultura portuguesa
Entrevista a Luís Mira, secretário-geral da CAP

“Sem orçamento não há Política Agrícola Comum”

Gabriela Costa25/07/2025
Desperdiçámos totalmente a oportunidade de reforçar a resiliência do setor agrícola através do PRR

Mais importante do que ter um fundo à parte é a PAC dispor de um orçamento estanque — um 'ring-fenced' — que garanta que esse dinheiro não possa ser utilizado por outros fundos.

No que toca às exportações, desde que as condições que os EUA nos aplicam sejam as mesmas do resto do mundo, só temos de ser competitivos

Temos uma grande revolução em curso, centrada em todo o tipo de tecnologia que permita poupar dinheiro, e manter a produção ou aumentá-la

O caminho é também o de ouvir a ciência e tomarmos decisões com mais base científica e menos base ideológica

“O governo defende em Bruxelas uma PAC robusta, mas sem orçamento não há política, nem é possível garantir que a Europa tenha autossuficiência alimentar”. Crítico, o secretário-geral da CAP, Luís Mira, traça um diagnóstico claro e incisivo, defendendo o cumprimento da estratégia ‘Água que Une’, com um investimento de cinco mil milhões de euros para os anos 2026-2030, o apoio efetivo dos serviços regionais e centrais do Ministério da Agricultura aos agricultores, e a gestão eficiente dos fundos, considerando inaceitável o “mau funcionamento dos serviços do IFAP, em toda a linha, e a desarticulação com o resto dos organismos do Ministério”.

Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP)

Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP).

No atual contexto socioeconómico e político do país, com que mensagem é que a CAP marca presença na FNA 25? Quais são as preocupações fundamentais do setor?

O governo que inicia funções à data desta entrevista (9 de junho) tem de se focar em três questões: A primeira é o cumprimento da promessa que fez com a Estratégia ‘Água que Une’, com um investimento de cinco mil milhões de euros para os anos 2026-2030. Esse investimento é fundamental para o desenvolvimento da agricultura em Portugal e no interior do país.

A segunda é colocar ao serviço do agricultor os serviços regionais do Ministério da Agricultura. A tutela voltou ao Ministério, mas o utilizador, que é o agricultor, não notou essa alteração - está tudo na mesma. É essencial que o agricultor sinta que os serviços do Ministério da Agricultura estão à sua disposição e que o ajudam nas dificuldades que surgem. Também a nível central, o Ministério está a funcionar deficientemente. Não temos uma gestão eficiente dos fundos da Política Agrícola Comum (PAC), pois há uma descoordenação entre os próprios serviços centrais. É preciso acabar com esta situação.

A terceira questão, que surge em consequência do que acabo de referir, é a gestão eficiente dos fundos. Não é aceitável que a campanha de ajudas tenha decorrido, a certa altura, de forma caótica, ou que o IFAP (Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas) não tenha consideração alguma pelos técnicos que fazem as candidaturas, nem pelos agricultores e associações que dão a cara para tentar ajudar os agricultores, como a CAP, a Confagri ou a CNA. E, portanto, não é aceitável. Nós temos um protocolo de delegação de competências, mas tem de haver respeito, e não existe neste caso.

Estas são as questões que mais nos preocupam. Acrescento ainda que o governo defende em Bruxelas uma PAC robusta, mas sem orçamento não há política, nem é possível garantir que a Europa tenha autossuficiência alimentar num período de instabilidade como o que estamos a viver, o que é grave. Obviamente que defendemos a consolidação dos dois pilares para o Pacto - o primeiro, que financia as ajudas diretas e as medidas de mercado, integralmente a cargo do Fundo Europeu Agrícola de Garantia; e o segundo com um regime de cofinanciamento, em prol do desenvolvimento rural -, mas mais importante do que isso, é o orçamento, e parece que não existe.

Ainda a nível nacional em que medida, na sua opinião, é que esta interrupção governativa afetou o processo de gestão eficiente de fundos e a revisão do PEPAC?

A máquina do Estado não pode estar dependente de ter ou não governo, naquilo que respeita à sua gestão. Isso é uma desculpa que não colhe nenhuma razoabilidade, porque há países na Europa que chegam a estar um ano e meio sem governo e as coisas acontecem na mesma.

O que aconteceu este ano na campanha das ajudas foi um mau funcionamento dos serviços do IFAP, em toda a linha, e uma desarticulação com o resto dos organismos do Ministério.

A que se deve essa desarticulação?

Acho que o Ministério da Agricultura tem de se reestruturar. A sua estrutura é praticamente igual, com exceção de uma fusão das competências dos extintos IFADAP (Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas) e INGA (Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola), mas não está adaptado às exigências da Política Agrícola Comum. Existe uma desarticulação brutal entre organismos, e quem sai prejudicado são os agricultores. Todos, os pequenos, os médios e os grandes produtores.

Já sublinhei que é preciso os serviços regionais darem apoio ao agricultor no terreno, mas também é preciso que os serviços centrais funcionem bem. Nenhuma coisa está a acontecer.

Este ano, o comissário europeu da Agricultura e Alimentação, Christophe Hansen, inaugurou a FNA ao lado do ministro José Manuel Fernandes. Que preocupações lhe foram transmitidas pela CAP e que expetativas tem sobre as políticas europeias em curso?

No tabuleiro comunitário discute-se, neste momento, o quadro financeiro plurianual para o período de 2028-2034. É do conhecimento geral que há uma pressão enorme sobre o orçamento e sobre as novas necessidades da União Europeia, como a questão da defesa, e até o peso que vai ter o pagamento de tudo aquilo que se contraiu como empréstimo na altura da Covid-19. E, obviamente, que essa pressão existe sobre todos os fundos.

A Comissão Europeia (CE) já apresentou uma proposta de um fundo único. Mais importante do que ter um fundo à parte, é a PAC ter um orçamento estanque ou, como expressou a CE, um 'ring-fenced' que garanta que aquele dinheiro não pode ser utilizado por nenhum dos outros fundos. Se tal não acontecer, e com a apetência que os primeiros-ministros têm, em todos os países, para utilizar esses fundos, a Política Agrícola Comum vai deixar de o ser, e cada país vai fazer o que entender da sua agricultura.

Mas acha que podemos chegar ao ponto de deixar de existir uma PAC?

Se cada país definir o que quiser, deixa de ser Política Agrícola Comum. Ou seja, segundo o primeiro 'paper' que a Comissão lançou, a dizer que há um fundo único que junta todos os fundos — Coesão, Agricultura, Fundo Social Europeu e mais uns 200 programas que existem — e supondo que cada país é que divide, depois, esse orçamento, sim, deixa de ser comunitário e passa a ser uma questão com autonomia nacional.

Outra questão que nos preocupa, e que transmitimos ao Comissário Europeu Christophe Hansen, é que é necessário que a PAC, que teve uma desvalorização fruto da inflação que se fez sentir nos últimos anos, tenha, no mínimo, uma atualização. Porque o somatório acumulado da inflação nesse período ultrapassa os 20%.

No atual contexto geoestratégico global, com a instabilidade política e económica em que o mundo vive e perante uma guerra comercial em curso, em que medida o setor agrícola está a ser afetado?

A questão tem que ver com uma perturbação que o presidente dos Estados Unidos veio colocar a nível global, e com a alteração do modelo dos equilíbrios geopolíticos entre os blocos comerciais.

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Mas essa alteração já existe desde o início da guerra com a Ucrânia, a nível das exportações...

Sim, mas o presidente Trump veio baralhar mais as coisas, com um piscar de olhos à Rússia, mas depois dizendo o contrário do que disse… são períodos de grande incerteza. Mas no que toca às exportações, desde que as condições que os EUA nos aplicam sejam as mesmas do resto do mundo, nós só temos de ser competitivos. E eu acredito que as empresas portuguesas que exportam estão preparadas para isso.

Obviamente que não é bom aumentar tarifas, mas a verdade é que se há uma desvalorização do dólar a 10% ninguém diz nada, e quando há um aumento de uma tarifa a 10%, já ‘acaba o mundo’. Temos de ser competitivos no mercado americano, e somos.

Agora, se houver uma tarifa diferenciada para a União Europeia, mais cara, isso já é diferente. É impossível fazer uma previsão em termos das culturas mais afetadas. Com a guerra na Ucrânia, na prática, houve uma especulação nos cereais - os preços subiram, a especulação acabou, voltaram a cair.

Num setor muito modernizado que aposta de forma crescente na utilização de drones, precisão digital e modelos preditivos na sua produção, que oportunidades irrompem para os agricultores portugueses?

Assistimos a uma evolução brutal na forma de fazer agricultura. Até nas atividades mais tradicionais, como o pastoreio, em que se pode pensar que não há nada para inventar. Mas há. Temos uma grande revolução em curso. Vamos realizar na FNA uma conferência sobre agricultura regenerativa e é impressionante acompanhar o conhecimento que leva ao inverso da atuação que tem sido feita até aqui, já com resultados práticos.

Começa-se a falar em todo o tipo de técnicas ou tecnologia que permitam poupar dinheiro e manter a produção ou aumentá-la. Existem culturas onde se demora algum tempo a fazer a transição, outras onde se demora menos tempo, mas o caminho é esse.

O caminho é também o de ouvir a ciência e tomarmos decisões com mais base científica e com menos base ideológica. Acredito que se os governos agissem assim, e se em Portugal houvesse uma estratégia de desenvolvimento para o setor agrícola, a agricultura poderia contribuir muito mais para a riqueza do país do que aquilo que contribui, porque não tem sido minimamente enquadrada.

Precisamos que os meios que existem sejam aplicados com coerência e não é isso que tem acontecido. Desperdiçámos totalmente a oportunidade de reforçar a resiliência do setor agrícola através do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], que em Portugal apenas serviu para engordar o Estado, já que perdemos grande parte do dinheiro porque os prazos não foram cumpridos ou porque as obras não foram feitas, tal como a CAP alertou desde o princípio.

Escolheu-se o caminho mais fácil, e quando o caminho é fácil o resultado é mau.

Ainda assim, mantém a esperança na agricultura nacional?

Esperança mantenho sempre, mas são oportunidades perdidas, e se tivessem sido aproveitadas, se tivéssemos feito como fizeram os espanhóis, que utilizaram 25 mil milhões de euros no investimento em água, dos quais cinco mil milhões só para o setor agrícola, os agricultores portugueses em todo país teriam uma resiliência face à seca e uma capacidade que não têm.

E sabemos que se este ano choveu, também pode acontecer que não chova nos próximos.

*Esta entrevista foi realizada a 9 de junho de 2025, na Feira Nacional da Agricultura, no CNEMA, em Santarém.

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