A agricultura portuguesa está a viver uma mudança profunda. A digitalização, os sensores inteligentes e os modelos preditivos já fazem parte do dia a dia de muitas explorações, permitindo antecipar problemas, poupar recursos e aumentar a eficiência. Entre vinhas, olivais e culturas hortícolas, projetos desenvolvidos por instituições como o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV) e o Smart Farm Colab (SFCOLAB) mostram que o smart farming deixou de ser apenas um conceito futurista e está a transformar, no presente, a forma como se produz em Portugal.
Imagens RGB e Multiespectral de olival superintensivo. Imagens captadas por drone Mavik3E com sensor multiespectral e câmara ótica 4K. © SFCOLAB
O setor agrícola nacional encontra-se numa fase de transição decisiva, impulsionada pela digitalização e pelo recurso a modelos preditivos que permitem gerir culturas com uma precisão nunca antes alcançada. As chamadas smart farms já não são um conceito distante, mas uma realidade que se afirma no terreno, com resultados visíveis na eficiência produtiva, na sustentabilidade e na competitividade do setor.
O conceito de smart farming assenta na integração de dados provenientes de diferentes fontes – do solo, da meteorologia, de sensores, Internet das coisas (IoT), de drones ou até de satélites – e na sua análise através de inteligência artificial (IA) e algoritmos de machine learning. O resultado é a possibilidade de prever problemas, antecipar necessidades e otimizar recursos, quer seja através de sistemas de monitorização inteligente – que conjugam dados climáticos, de solo e imagens de satélite –, quer por meio de algoritmos de previsão.
Piloto tecnológico no Olival - Sistema de monitorização próxima SOFIS. © SFCOLAB
Para Helena Vazão, diretora executiva do SFCOLAB, esta mudança traduz-se na passagem de uma agricultura “reativa” para uma agricultura “preditivo-preventiva”, em que o agricultor atua antes de os sintomas se tornarem visíveis no campo.
A aplicação prática destas ferramentas já está a dar frutos em várias culturas. Helena Vazão destaca os modelos preditivos, otimizados pelo SFCOLAB, para oídio e míldio na vinha – doenças que historicamente representam um grande desafio para os viticultores –, que utilizam dados agroambientais e meteorológicos para calcular riscos de infeção e indicar os momentos críticos para tratamentos. “De forma prática, a plataforma indica automaticamente os dias críticos para aplicação de tratamentos preventivos, permitindo atuar antes da manifestação visível dos primeiros sintomas da infeção”, explica. O resultado tem sido, segundo os parceiros, uma redução de custos e de desperdícios, sem comprometer a qualidade da produção.
Outro exemplo encontra-se na monitorização da maturação, em que sensores instalados diretamente na canópia e drones com câmaras de alta resolução permitem mapear a variabilidade da vinha e ajustar o calendário da vindima ao estado real de cada parcela.
O SFCOLAB tem ainda apostado na criação de plataformas digitais acessíveis, que integram informação de diversas origens e oferecem recomendações práticas em tempo real. Estas soluções procuram tornar as tecnologias de agricultura de precisão inclusivas, permitindo a sua utilização não apenas em grandes empresas agrícolas, mas também em explorações familiares de pequena e média dimensão. A aposta na simplificação da interface e na capacitação tecnológica tem sido uma estratégia-chave para vencer resistências culturais e operacionais no setor.
Estação meteorológica com sensores e IoT (Internet of Things). © INIAV
Além do SFCOLAB, também o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), liderado por Nuno Canada, acumula exemplos que ilustram o estado da arte desta revolução digital e têm desempenhado um papel central nesta transformação.
Enquanto “laboratório de Estado”, como designa Nuno Canada, a instituição alia a investigação aplicada à proximidade com os agricultores e com o território, promovendo projetos que visam acelerar a digitalização e a transição tecnológica. “O INIAV apresenta um papel determinante no desenvolvimento e promoção do smart farming e dos modelos preditivos em Portugal”, refere o presidente, sublinhando a importância da experimentação em polos de inovação distribuídos pelas principais regiões agrícolas, que funcionam como verdadeiros laboratórios a céu aberto.
Entre os projetos no terreno destacam-se o AI4RealAg, centrado na aplicação da IA ao diagnóstico nutricional, à fenologia das plantas e à previsão de doenças, e o Phenobot, que utiliza robótica e sensores óticos para mapear com rigor o estado fisiológico das plantas.
No plano internacional, a participação de ambas as entidades em consórcios europeus tem permitido testar soluções inovadoras. O INIAV destaca-se em iniciativas como o OlivarIA, que recorre a robótica aérea e terrestre para monitorizar olivais em sebe, e o HIBA, que procura consolidar redes de Digital Innovation Hubs (DIHs) na agroalimentação. Já o SFCOLAB tem vindo a explorar sistemas de deteção remota e proximal para caracterizar a variabilidade espacial em vinhas e olivais, transformando informação dispersa em conhecimento acionável pelos agricultores.
Apesar do potencial destas tecnologias, persistem desafios significativos. As barreiras económicas continuam a ser determinantes, sobretudo devido ao peso das pequenas e médias explorações no tecido agrícola nacional. Helena Vazão lembra que “o investimento inicial elevado” é muitas vezes um entrave, mesmo quando os benefícios a médio prazo são claros. A falta de conetividade em muitas zonas rurais é outro obstáculo recorrente, pois inviabiliza a utilização plena de sistemas baseados na cloud e na IoT.
A dimensão humana não pode ser desvalorizada. Nuno Canada chama a atenção para a baixa literacia digital e para a idade média elevada dos agricultores portugueses, fatores que favorecem a resistência à mudança. Helena Vazão acrescenta que a complexidade técnica pode levar à subutilização ou ao abandono das ferramentas quando não existe acompanhamento adequado. Ambos defendem que a formação prática, a disponibilização de plataformas intuitivas e o desenvolvimento de modelos de serviço cooperativos são estratégias decisivas para ultrapassar estas barreiras.
Uma coisa é certa: a transição digital já gera casos de sucesso concretos. Seja em vinhas, olivais e outras culturas há sistemas de monitorização e previsão operacionais que otimizam colheitas e reduzem o uso de recursos. A investigação aplicada do INIAV e a experimentação do SFCOLAB mostram que a agricultura digital deixou de ser uma promessa e é uma realidade em expansão no território nacional.
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