Sob o mote ‘Inovação sustentável e tecnologias aplicadas à cultura da pera e da maçã’, a I Conferência Técnica da Pera e Maçã reuniu no Your Hotel & SPA Alcobaça perto de duas centenas de agricultores, técnicos, engenheiros, investigadores e académicos. O debate fundamentado sobre os grandes desafios e oportunidades das pomóideas dinamizou a valorização estratégica da Região Oeste na pomicultura em Portugal.
Em foco, ao longo de uma manhã de trabalhos que contou com um painel de alguns dos maiores especialistas nesta temática, perante uma sala completamente lotada, estiveram a fruticultura de precisão, a eficiência tecnológica, as biosoluções e as práticas sustentáveis.
Em representação do ministro da Agricultura, José Bernardo Nunes, vice-presidente da CCDR de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR LVT), agradeceu o convite para integrar “esta sessão muito pertinente, especialmente num momento em que a região vive o problema do fogo bacteriano, que tanto nos preocupa”. Sublinhando o impacto desta doença altamente destrutiva, o representante da CCDR LVT afirmou que “esta grave crise já reduziu a produção de pera rocha em 50%” e ameaça persistir nos próximos anos. Segundo José Nunes, este organismo nocivo, que provoca aumento de custos, quebra de produção e desânimo nos produtores, afeta mesmo “toda a mola da economia da região [de Alcobaça ao Cadaval], que está em franco risco”. Neste contexto, apela, a união de todos os intervenientes é essencial para reduzir o impacto do dano. Numa mensagem de esperança, e em nome de José Manuel Fernandes, o vice-presidente da CCDR LVT defendeu que embora “não existam soluções milagrosas”, a propagação de clones mais resistentes e a adoção de novas práticas culturais são caminhos a seguir para ultrapassar as consequências do fogo bacteriano.
Paulo Leão, presidente da União de Freguesias de Alcobaça e Vestiaria, deu as boas-vindas ao concelho a todos os presentes na iniciativa promovida pela Induglobal para, em representação do município, desejar que “saiam frutos desta conferência”, tanto para os oradores convidados como para as quase duas centenas de participantes, para quem “as portas de Alcobaça estão abertas” para eventos futuros.
A reflexão sobre inovação sustentável e tecnologias aplicadas à cultura da pera e da maçã iniciou-se com a intervenção de Miguel Leão, PhD e investigador principal | researcher do INIAV, que abordou a necessidade de o setor da fruticultura adotar mais eficiência tecnológica e sustentável para garantir a competitividade, propondo passar em revista algumas das principais atividades que fazem partem do itinerário técnico da pera e da maçã, bem como as tecnologias (disponíveis há 20 anos e emergentes) aplicadas à sua produção.
A nível de eficiência económica, o especialista questionou a falta de uso de ferramentas de gestão tecnológica por parte de muitos fruticultores: “quantos deles as usam? E quantos sabem qual é o peso da cada uma das suas atividades no custo total da exploração?” Defendendo a profissionalização do setor, Miguel Leão alertou que a tomada de decisões “com base em critérios empíricos”, em vez de racionais e tecnológicos, “leva a decisões tardias e erradas”. A tecnologia é essencial para a monitorização e eficiência que garante a competitividade: “se soubermos quantos gomos florais temos e qual a taxa de vingamento que precisamos podemos fazer uma aplicação mais racional dos bioreguladores, adequar o peso dos polinizadores no pomar, a estratégia de monitorização, etc.”, explica. “Há um número mágico que todos os produtores têm de saber dos seus pomares: qual é o número médio de frutos que querem por árvore. É preciso contar, concluiu”.
Quanto a proteção integrada, a tecnologia de câmaras dentro de armadilhas e o desenvolvimento de algoritmos de inteligência artificial (IA) permitem identificar pragas e avisar o produtor quando o nível económico da praga é ultrapassado. A este respeito, “o INIAV está a desenvolver uma aplicação de acesso gratuito para centralizar estes registos a nível nacional”, avança o responsável do INIAV. Já na deteção de doenças, o uso de drones e satélites com câmaras multiespetrais permite “detetar doenças antes de estas se manifestarem”, facilitando a intervenção precoce.
Quanto à pulverização de precisão, “a regra fundamental é ajustar o volume de calda ao volume de vegetação a tratar”, evitando o desperdício de produto. O uso de LIDARs ou de sensores ultrassónicos nos pulverizadores permite “ajustar o volume de aplicação à área foliar a tratar”, garantindo a máxima eficiência.
Na biodiversidade em culturas permanentes, a não mobilização do solo, prática já adotada há várias décadas na região, “deve ser mantida”, afirma, categórico. O desafio agora é a mobilização mínima e o reforço do banco de sementes “com espécies que promovam a fixação de polinizadores dentro do pomar, focadas na massa foliar ou na descompactação na zona dos rodados”, por exemplo. O ecopomar “é naturalmente um tema que tem de ser matriz comum em todas as regiões, e todos temos de estar comprometidos com ele”, alerta Miguel Leão: “é necessária uma transição mental” que gere um “equilíbrio fundamental para a eficiência na produção”.
Finalmente, a escassez de mão de obra para a colheita é uma questão que preocupa”, diz, e que torna a robótica inevitável. Robôs autónomos e drones estão a ser desenvolvidos para a colheita, e “mesmo que não colham 100% dos frutos”, aliviam a pressão sobre os recursos humanos. Estas tecnologias permitem uma colheita seletiva baseada em critérios como “tamanho, cor, brix e grau de maturação”, otimizando a qualidade do fruto que chega ao mercado. E já que se terá de fazer a transição para os pomares cobertos, as redes devem ser usadas não só para proteção contra granizo e escaldão, “mas também pelas suas propriedades fotoseletivas”, que otimizam a luz para a planta e reduzem o calor.
Ainda a nível tecnológico, estão a ser trabalhadas “alternativas como a monda térmica, eletrochoques e o uso de filmes na linha” para substituir os herbicidas, reconhecendo os benefícios da microbiologia do solo, esclarece. Também na mecanização, a conversão para equipamentos elétricos alimentados por energia produzida na própria exploração pode inverter a pegada de carbono do setor.
Por último, Miguel Leão destaca que o INIAV está a testar o agrovoltaico até dezembro para reduzir o escaldão solar mantendo a qualidade dos frutos e, simultaneamente, gerar uma fonte de rendimento alternativa. “Não tenho a mínima dúvida que será uma solução consensual e que vai ter condições para ser escalada em dimensão”. E para quem vive da agricultura, “pode ser uma segurança" em anos de falha na fruta.
Maria do Carmo Martins (COTHN-CC), Ricardo Santos (COOP Alcobaça), Helena Vazão (SFCOLAB) e Sandro do Vale, (Wisecrop) apelaram à mudança de paradigma face ao estado da arte da digitalização nas culturas da pera e da maçã, sob a moderação de Gonçalo Morais Tristão, (COTR).
'O pomar do futuro: soluções digitais inovadoras e fruticultura de precisão' foi o mote para a primeira mesa redonda do dia, moderada por Gonçalo Morais Tristão, presidente da Direção do COTR. Reunindo a participação de Maria do Carmo Martins, secretária geral do COTHN-CC, Helena Vazão, diretora executiva do SFCOLAB, Ricardo Santos, diretor de Serviços da Cooperativa Agrícola de Alcobaça e Sandro do Vale, diretor de Operações da Wisecrop, o debate centrou-se no estado da arte da digitalização na fruticultura.
Como questionou o moderador, em que medida é que a tecnologia está a ser adotada? Segundo Maria do Carmo Martins, a tecnologia efetivamente existe e está disponível, mas a sua adoção é influenciada por diferentes realidades na fruticultura nacional: a nível de escala, tem um maior impacto e retorno em grandes explorações, como no Alqueva, o que torna a sua adaptação mais desafiante em explorações de menor dimensão, típicas do Oeste. Já o custo e acessibilidade das tecnologias é um grande desafio, na sua opinião, sendo necessário democratizar o acesso e tornar as soluções mais acessíveis para os pequenos produtores. Neste contexto, “o apoio técnico no seio da organização de produtores (OP) é um modelo interessante que temos defendido”, concluiu a responsável do COTHN: “mais do que financiar o equipamento é, muitas vezes, mais interessante financiar a prestação do serviço”.
Focando-se na mudança de paradigma “necessária para o fruticultor do futuro”, Ricardo Santos sublinhou que a tecnologia deve ser vista “como uma ferramenta de gestão”, e não apenas “como uma ferramenta técnica de produção”. Esta é a grande mudança de mentalidade. O responsável da COOP de Alcobaça distinguiu entre o state of the art (o que já existe no mercado) e a tecnologia que está num nível de custo-benefício que o produtor pode adaptar.
Helena Vazão reforçou o papel do SFCOLAB na democratização da digitalização na agricultura, com a missão de “ajudar a perceber a utilidade da tecnologia”. Dando exemplos de tecnologias em uso em pomares de pera e maçã em Torres Vedras e Alcobaça, incluindo sensores meteorológicos, sensores do solo, armadilhas inteligentes e voos de drones, a diretora defendeu que estas ferramentas “permitem desenvolver modelos para alertas de pragas e doenças e, com as imagens de drones, mapear o vigor das plantas para uma pulverização mais direcionada”, o que resulta em poupança de recursos. “A ideia é que a digitalização seja útil e mantenha a produtividade, mas, se possível, que poupe recursos económicos e ambientais”, concluiu.
Com uma perspetiva comercial, Sandro do Vale destacou a dimensão da exploração como um fator crucial. “As grandes explorações incentivam-nos ao desenvolvimento de soluções que exigem a integração de diferentes infraestruturas tecnológicas, é um requisito”. Já junto do pequeno agricultor, “a mentalidade é diferente e há a questão do custo e falta de conhecimento”, lamenta o diretor de operações da Wisecrop. Nestes casos, “a tecnologia a adotar é muito minimalista e automática”, de baixo custo.
Com mais de 200 participantes inscritos, a Sala D. Inês do Your Hotel & SPA Alcobaça recebeu a I Conferência Técnica da Pera e Maçã com lotação esgotada.
Ainda a nível de escala, “o foco da fruticultura do Oeste deve ser na qualidade e na diferenciação, e não na quantidade”, defendeu Ricardo Santos, embora a dimensão das explorações nesta região exija a criação de sinergias entre os pequenos produtores.
Numa segunda ronda de perguntas, Gonçalo Morais Tristão e Ricardo Santos concordaram que o financiamento do serviço (e não apenas do equipamento, como referiu Carmo Martins) é a chave para a adoção tecnológica por parte dos pequenos produtores. Para o diretor de serviço, este tipo de financiamento, associado a serviços partilhados, são essenciais para ultrapassar as dificuldades de financiamento e a instabilidade geopolítica que afeta a Política Agrícola Comum (PAC), já que a União Europeia se vê forçada a repensar o seu orçamento e as verbas que vão para a agricultura e para a defesa – e isso “vai fazer muita diferença na bolsa dos agricultores”. E relaciona-se com a questão da escala: “tendo em conta a redução do défice orçamental que se prevê, deve-se financiar o bem ou o serviço?”, questiona Ricardo Santos.
Por último, o financiamento para a transferência do conhecimento “é fundamental para que o agricultor possa ter acesso a tecnologias e programas”, como considera Gonçalo Morais Tristão. Na SFCOLAB, tenta-se contornar a falta de financiamento para o serviço através da capacitação dos agricultores: “não queremos vender tecnologia, ensinamos a utilizá-la. Fazemos formação a produtores e cooperativas. Como trabalhamos com dados estes modelos estão a ser melhorados e adaptados” e têm de ser validados, avança Helena Vazão.
O painel concordou que a transmissão do conhecimento é um obstáculo que precisa de ser ultrapassado, pois o que é gerado pelo’poder’ e em centros de investigação nem sempre chega de forma eficaz ao agricultor que está no terreno.
Na opinião de Sandro do Vale, o caminho passa não só por financiar aquisições, que é o modelo tradicional, mas também por ter abertura para o financiamento de serviço, que é eficiente para todos. “As políticas estão muito assentes numa vertente de aquisição para infraestrutura [das explorações], mas o serviço é que faz entregar proposta valor a curto prazo”, rematou.
A intervenção de Filipa Saldanha, diretora de sustentabilidade do Crédito Agrícola, foi outro dos momentos mais aguardados na Conferência Técnica da Pera e Maçã. Sob a temática ‘O papel da banca na transição para uma agricultura sustentável e resiliente’, a oradora destacou a estratégia do banco focada na transição climática justa, biodiversidade e inclusão social, através de financiamento e capacitação.
Apresentando a visão do Crédito Agrícola sobre o papel da banca nesta transição, a especialista centrou-se “na estratégia de sustentabilidade do banco e nas questões do negócio sustentável, que é o eixo estratégico através do qual conseguimos ter um verdadeiro impacto na transformação da economia e das empresas”.
A grande missão do Crédito Agrícola “é apoiar o desenvolvimento sustentável das comunidades locais rurais, e procuramos fazê-lo através de uma banca de proximidade, sustentável e com propósito”. Para o efeito, a sua estratégia de sustentabilidade está orientada em três verticais temáticos: transição climática justa; proteção da biodiversidade e restauro dos ecossistemas; e coesão social. Como explica Filipa Saldanha, estes eixos são suportados por quatro pilares estratégicos, sendo o principal o negócio bancário sustentável, “que é a pedra angular do nosso banco”. O segundo é dedicado ao ecossistema de impacto (filantropia e parcerias com a sociedade civil); o terceiro, à organização inclusiva e operações sustentáveis (gestão ambiental e de inclusão dos recursos humanos); e o quarto a uma aposta forte nos dados ESG (Environmental, Social and Governance, na sigla em inglês) e de report, “o calcanhar de Aquiles da banca portuguesa”. “No Crédito Agrícola temos a consciência de que temos um impacto sistémico e real na economia”, sublinha.
Concretamente a nível de programas de capacitação para a agricultura, esta “é um dos nossos setores alvo e tem sido o grande foco de atuação desde que iniciámos, em 2024, o Programa de Proximidade, Transição e Impacto, no âmbito do plano de transição Net Zero do banco”. Dando dois exemplos de ações no setor agrícola, a especialista destaca a Formação em Agricultura Regenerativa, “um programa de formação adaptado ao perfil e necessidades do agricultor português, que utiliza agricultores mentores no terreno para demonstração prática e se foca em culturas com alto potencial agrónomo e económico para a transição, como a viticultura, culturas arvenses, olivicultura. De acordo com Filipa Saldanha, “a maçã e a pera estão na mira” para futuras ações.
A segunda é o Programa de Transição para a Agricultura Sustentável, uma iniciativa de capacitação “bastante mais abrangente, que se vai orientar por quatro eixos ambientais - clima, solo, água e biodiversidade”, e que arranca a 2 de dezembro. Desenvolvido em parceria com a Consulai e quatro OPs (AgroMais, ANPOC, MIGDALO e O Melro, que atuam, respetivamente, na agricultura extensiva, cereais praganosos, frutos secos e fruticultura), esta ação visa dotar agricultores e técnicos com práticas mais inovadoras e sustentáveis, utilizando uma metodologia One to Many para escalar o impacto das aprendizagens além dos participantes.
Com “uma relação histórica, de mais de cem anos, com o setor agrícola”, o Crédito Agrícola está a desenvolver uma nova proposta de valor para a agricultura nacional, que deverá ser lançada no próximo ano, focada em três categorias elegíveis para novas linhas de crédito bonificado:
. Agricultura climate smart: focada na redução do uso de fertilizantes sintéticos e pesticidas, sistemas de cultivo diversificados e sistemas de rega mais eficientes.
. Agricultura regenerativa: para investimento na adoção de práticas que reconstruam a matéria orgânica do solo, restaurem a biodiversidade e aumentem o sequestro de carbono.
. Inovação e tecnologia: para apoiar a transição e o investimento em novas tecnologias.
Sublinhando que “Portugal é um dos países mais vulneráveis aos impactos climáticos e o terceiro setor bancário mais exposto”, Filipa Saldanha concluiu que “o banco quer que o setor tenha a capacidade de investir nesta transição de forma mais barata”, alertando, contudo, que a oferta de crédito bonificado só terá procura se os clientes perceberem o valor acrescentado de investir na transição, pelo que o trabalho de financiamento bonificado e capacitação de proximidade deve ser feito em simultâneo.
Jorge Soares, presidente da APMA, apresentou o Programa de Agroecologia da Maçã de Alcobaça, que visa a transição para uma agricultura sustentável.
Apresentando o Programa de Agroecologia da Maçã de Alcobaça, Jorge Soares, presidente da APMA, destacou a transição para uma agricultura sustentável, integrando agroecologia, biodiversidade e conservação de recursos naturais, como água e solo, para valorizar a maçã de Alcobaça.
Explicando que este é um programa ambicioso de upgrade do percurso de 30 anos da fileira em proteção integrada e de quase 40 em regeneração do solo e não mobilização, avançou que a iniciativa visa transformar as dificuldades impostas pela meta europeia de redução de 50% de fitofármacos até 20230 numa oportunidade para o setor.
Dando “um salto qualitativo para uma agricultura mais sustentável e limpa”, o programa, facultativo nos primeiros cinco anos, valoriza a biodiversidade funcional, a gestão da água, o coberto vegetal funcional e a imagem da maçã de Alcobaça. Este projeto de eco pomar (espaço que alia a produção de fruta à produção de serviços naturais e do ecossistema) reafirma a missão da APMA de melhorar a imagem da agricultura e desta maçã enquanto IGP e marca coletiva no mercado, diferenciando-a das commodities e garantindo a rentabilidade do negócio.
Antes da última mesa redonda da manhã de trabalhos na Sala D. Inês do Your Hotel & SPA Alcobaça, Gonçalo Vale, consultor da AGRO.GES, apresentou os resultados do ‘Estudo do impacto da saída de substâncias ativas na produção agrícola’ para as culturas da pera e da maçã.
A terceira edição do estudo, encomendado pela CropLife Portugal, avalia as consequências da meta europeia de redução de 50% na utilização de produtos fitofarmacêuticos, neste caso pesticidas, até 2030, no âmbito da Estratégia ‘Do Prado ao Prato’ uma das estratégias do Pacto Ecológico Europeu, do Green Deal. O trabalho abrangeu oito culturas (vinha, olival, milho, tomate de indústria, pera, maçã, arroz e batata), concluindo que a pera e a maçã, apesar de representarem apenas 3% da área total das culturas analisadas, concentram 12% do impacto total na margem bruta, “demonstrando a sua alta vulnerabilidade”.
Na pera rocha estimam-se perdas anuais de receita de cerca de 30 milhões de euros, e uma redução de custos de apenas nove milhões de euros. A produtividade poderá cair 30% a 40% e a margem bruta nas regiões agrárias do Ribatejo e Oeste diminuirá cerca de 20 milhões de euros, ou seja, “é uma fileira que poderia ficar em risco”.
Na maçã prevê-se uma perda de receita de 38 milhões de euros, com redução de custos de seis milhões de euros e quebras de produtividade de 25% a 35%, o que, “mais uma vez é um risco”.
Embora a margem bruta permaneça positiva, “o aumento dos custos e da instabilidade pode levar ao abandono da atividade”, comenta Gonçalo Vale. De resto, a retirada de substâncias ativas aumenta a probabilidade de resistências e agrava quebras já recorrentes provocadas por doenças como estenfiliose ou pedrado, na pera, sendo de assinalar que o estudo não contempla o risco adicional do fogo bacteriano.
O consultor da AGRO.GES conclui que os casos de estudo da pera e da maçã estão entre aqueles com maiores impactos económicos (a par da batata e do tomate), o que sublinha a necessidade de “uma alteração de estratégia por parte da União Europeia”, com visto à implementação de uma estratégia de mitigação que passe pela investigação de alternativas e pela demonstração da sua eficácia, antes de se proceder à retirada das substâncias ativas.
‘Biosoluções e práticas sustentáveis na cultura da pera e da maçã’ foi o tema da segunda mesa redonda da conferência organizada pela Agriterra. A análise levada a cabo por Hugo Oliveira, investigador auxiliar do Centro de Engenharia Biológica da Universidade do Minho, Gonçalo Vale, consultoEstilor da AGRO.GES e Jorge Soares, presidente da APMA, sob a moderação de Gonçalo Rodrigues, professor auxiliar do ISA, revelou oportunidades na adaptação às imposições legislativas em curso, transformando desafios em soluções emergentes face à retirada de substâncias ativas e à necessidade de uma agricultura mais sustentável e modificando perceções sociais através da aposta na inovação e sustentabilidade.
Jorge Soares abordou o impacto da imposição regulamentar de retirada de substâncias ativas na produção de maçã, sublinhando a necessidade de mudança de paradigma no setor. “A via química fez-nos cavalgar sobre o problema e está esgotada”, defendeu.
Neste contexto, é imperativo explorar as soluções naturais e de base natural, “apesar de serem mais difíceis, morosas e, inicialmente, menos eficazes”. Mas o impacto da retirada de químicos no setor das pomóideas é significativo: a pera, especialmente, enfrenta um problema grave com a falta de produtos específicos e eficazes. Para o presidente da APMA, “pomares com um bioma do solo mais rico e maior fertilidade, resultantes de 40 anos de práticas como cobertos vegetais, tendem a ter menos problemas”. Uma perspetiva que “a academia deve aprofundar”, afirma.
Defendendo que a estratégia passa por explorar ao máximo o natural em detrimento do químico, Jorge Soares acredita que, no caso da maçã, o caminho passa também “pela procura de variedades mais resilientes”. A propósito, é de destacar o investimento da Maçã de Alcobaça numa nova variedade, “apesar da resistência inicial do mercado, como um exemplo de que é preciso sair da zona de conforto e educar o consumidor para novas opções”.
Hugo Oliveira trouxe ao debate a perspetiva da investigação e do desenvolvimento de biosoluções, com foco na área do fogo bacteriano. Na sua opinião, a lacuna no desenvolvimento biológico tem uma causa: o Pacto Ecológico Europeu esvaziou o leque de substâncias químicas, “mas em paralelo não estimulou o suficiente o desenvolvimento de novas abordagens biológicas”. Para o fogo bacteriano, por exemplo, “existem apenas dois produtos biológicos homologados, e nenhum foi desenvolvido especificamente para este problema. Falta uma categoria biológica específica” para esta bactéria, ainda que “exista um produto novo de origem biológica dedicado ao fogo bacteriano, que está em fase de registo”, tendo a DGAV concedido uma autorização excecional para a sua aplicação ainda este ano.
Trata-se dos bacteriófagos (vírus que infetam bactérias), explicou o investigador, uma tecnologia promissora que já é utilizada nos EUA há 20 anos para controlar o fogo bacteriano e que é também usada na saúde humana. Contudo “ainda não há produtos comerciais em Portugal ou na Europa”. Hugo Oliveira conduz há mais de dois anos um projeto de investigação nesta área das soluções antibacterianas, que visa desenvolver um produto à base de fagos, a partir das estirpes presentes na região, em consórcio com vários atores do setor, como o INIAV e o COTHN.
O investigador considera que os principais constrangimentos para a adoção de novas soluções são a falta de financiamento e a dificuldade na transferência de conhecimento, perspetiva que é partilhada por Gonçalo Vale, para quem “as estratégias políticas e de investigação necessárias para mitigar o impacto da retirada de substâncias ativas” são essenciais. Segundo o consultor da AGRO.GES, “um dos pontos importantes é não tomar já estas medidas de retirada das substâncias ativas”, ainda que fundamentadas, sem pensar antes “quais são as soluções que existem para as substituir”. Neste âmbito, o país deve criar uma estratégia alargada e “a política pública deve canalizar financiamento para a investigação e demonstração. É crucial que agricultores, organizações de produtores, cooperativas, universidades e centros de investigação se unam para estudar alternativas para cada um dos casos e perceber se são válidas ou não”, concluiu.
E vale a pena considerar os impactos das novas imposições, pois as decisões tomadas apenas por imposição, sem considerar alternativas, colocam em causa não só o impacto ambiental, mas também o impacto económico, social e o êxito rural, concluiu o painel.
Mudança de paradigma, adoção de biosoluções e ação estratégica são, pois, as premissas para os produtores de pera e maçã do futuro, num Portugal agrícola que se deseja unido através das suas OPs e demais instituições, na senda de uma transição urgente e colaborativa para um modelo de produção mais resiliente, baseado na biologia e na inovação.
O Pomar do Futuro
O pomar do futuro será caracterizado por:
Tudo isto numa matriz de sustentabilidade inevitável, com práticas mais sustentáveis, produção para resíduo zero e adopção dos ecopomares.
Fonte: INIAV
Dinamizada no âmbito dos Encontros Profissionais B2B da Induglobal, do Grupo Interempresas, com o suporte técnico da Fakoy, a I Conferência Técnica da Pera e Maçã contou com a parceria estratégica do INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária; da COOP - Cooperativa Agrícola de Alcobaça; do COTHN – Centro Operativo e Tecnológico Hortifrutícola Nacional | Centro de Competências; e do SFCOLAB - Smart Farm Colab | Laboratório Colaborativo para a Inovação Digital na Agricultura. O Crédito Agrícola foi o Patrocinador Premium do evento, que teve ainda como parceiros a Fertiberia | ADP Fertilizantes, a Biostasia e a Natural Energy. O Encontro organizado pela Agriterra contou com o apoio da APMA – Associação de Produtores da Maçã de Alcobaça, que forneceu produtos da marca 'Maçã de Alcobaça' – IGP para degustação durante o coffee-break e o cocktail de encerramento.
www.agriterra.pt
Agriterra - Informação profissional para a agricultura portuguesa