Informação profissional para a agricultura portuguesa
José Núncio, presidente da FENAREG

“Conseguimos, com a mesma ou menos água, produzir bastante mais”

Gabriela Costa12/12/2025
“O investimento na melhoria dos sistemas de regra foi o grande salto”

“Foi anunciado um pacote de 45 projetos que estão prontos para arrancar para obra. É importante garantir esse financiamento”

“Preocupa-nos que os fundos para o investimento na agricultura deixem de ser exclusivos”
À margem da XVI Jornada FENAREG, José Núncio traça, em entrevista, o presente e o futuro do regadio na agricultura portuguesa. A propósito dos três temas centrais deste debate nacional - governance e financiamento, estratégia de resiliência hídrica e revisão da Política Agrícola Comum – o presidente da Federação Nacional de Regantes de Portugal defende que o investimento na ‘Água que Une’ “é para realizar até 2030, o que significa que temos de ser ágeis” e que se vive “uma nacionalização da PAC que pode criar desequilíbrios”.
José Núncio, presidente da FENAREG - Federação Nacional de Regantes de Portugal

José Núncio, presidente da FENAREG - Federação Nacional de Regantes de Portugal.

As XVI Jornadas do Regadio marcaram os 20 anos da FENAREG e reuniram decisores, especialistas e representantes do setor. Que balanço faz do encontro e quais são as principais conclusões técnicas a retirar deste debate nacional?

O balanço é muito positivo porque tivemos uma grande afluência de participantes - incluindo, para além dos nossos associados, os atores mais importantes do setor -, e um debate de elevada qualidade.

Em primeiro lugar, destaco a presença do ministro da Agricultura, mas também a mensagem do presidente da República, que foi lida no final, e ainda a representação, ao mais alto nível, de todas as entidades representativas do setor, como os vice-presidentes da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) na área da agricultura, o diretor do governo responsável pelo planeamento na área da agricultura e os presidentes do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP) e do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV).

Os temas em destaque foram a ‘Água que Une’, com a apresentação do professor António Carmona Rodrigues sobre os próximos passos desta estratégia, concretamente sobre a empresa que irá gerir e implementar os vários projetos; as atuais questões da Política Agrícola Comum (PAC), com o eurodeputado Paulo do Nascimento Cabral a analisar o andamento das negociações em Bruxelas relativas às reformas em curso; e a apresentação do Observatório do Regadio, a nova plataforma lançada pela FENAREG.

O evento reforçou a urgência de avançar com a Estratégia Nacional ‘Água que Une’, considerada decisiva para a produtividade e competitividade da agricultura portuguesa. Quais são hoje os principais entraves à sua execução e que passos imediatos considera indispensáveis para acelerar o processo?

Neste momento é indispensável passarmos à ação. O programa foi aprovado no Conselho de Ministros em março, mas já está a ser discutido desde o final do ano passado. A FENAREG revê-se no que está aprovado e, já em 2019, tinha apresentado um primeiro levantamento das necessidades de investimento do regadio, sendo certo que a ‘Água que Une’ vai além do regadio. O levantamento está feito e, portanto, o que nos preocupa agora é sabermos qual será o mecanismo que o irá implementar. Trata-se de uma estratégia global, que integra novos reservatórios, alteamento de barragens, modernização e reabilitação de regadios e outros investimentos, pelo que é muito importante que haja uma empresa que esteja vocacionada para fazer a articulação de todas estas valências. Entendemos, até, que seria importante ser uma agência, a quem seja dada plenos poderes para promover os projetos, de modo a conseguirmos levar a bom porto esta estratégia ambiciosa. De resto, o investimento é para realizar até 2030, que é ‘depois de amanhã’, o que significa que temos de ser ágeis.

A propósito de investimento, a FENAREG estima que cada ano sem investimento em regadio custe ao país mais de 500 milhões de euros e que se percam cerca de 4.500 euros por hectare/ano. Que impacto concreto tem esta inação na viabilidade económica das explorações e no futuro da indústria agroalimentar portuguesa?

Esse investimento pode significar a passagem de uma balança deficitária para uma balança equilibrada. Como sabemos, o regadio é responsável por 60% da balança agroalimentar e 30% da produção, apesar de representar apenas 17% da área. Cada hectare de regadio produz cinco vezes e meia mais do que cada hectare equivalente de sequeiro. E é curioso que ao fim de dez anos, que é o horizonte previsto para os investimentos a realizar, as perdas são iguais ao investimento.

Ou seja, numa década os tais 500 milhões de euros que não se ganham ao implementar a estratégia serão equivalentes ao valor que seria investido e que poderia resolver o problema de imediato. Temos o exemplo da EDIA, com o Alqueva, onde em quatro anos se pagou o projeto e hoje em dia é um ativo que dá rendimento ao Estado.

Os últimos anos permitiram ganhos superiores a 80% na eficiência hídrica do regadio. Onde estão hoje as maiores margens de melhoria, na modernização das infraestruturas, na digitalização ou na gestão integrada da água? E quais são as tecnologias mais determinantes para o próximo ciclo de investimento?

No conjunto de todos esses fatores. Mas, sem dúvida, o investimento na melhoria dos sistemas de regra foi o grande salto. Hoje em dia 80% das explorações já são regadios de gota a gota, um sistema muito mais eficiente.

Por outro lado, hoje em dia temos à disposição novas tecnologias para previsão e monitorização do tempo, do tipo de dotações e do tipo de rega, e a informação que é recolhida torna muito mais eficiente a utilização da água. Apesar de nos últimos anos ter havido um aumento da área, houve uma redução do volume total, o que quer dizer que conseguimos, com a mesma ou menos água, produzir bastante mais.

O aumento da capacidade de resiliência é muito importante para o agricultor. Quando se realiza um investimento é fundamental que esse investimento tenha garantias. E hoje em dia, com a incerteza climática que reina, o que os cientistas dizem não é que vai chover menos, mas que vai chover com mais intensidade, com frequência, e que as secas vão ser mais prolongadas. Neste contexto, temos de ter outra capacidade de garantia de água e daí a relevância de aumentar a capacidade das reservas, como vimos defendendo.

Este aumento não se consegue só fazendo novas barragens (com a certeza de que ainda há que fazer algumas, como no caso do Tejo), faz-se também com um incremento da eficiência dos sistemas de distribuição de água. Há que modernizar muitos sistemas antigos.

De resto, foi anunciado no nosso encontro um pacote de 45 projetos de execução, que estão prontos para arrancar para obra, com um investimento de cerca de 700 milhões de euros. É importante garantir esse financiamento.

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As Jornadas ocorreram num contexto de forte pressão sobre a produção agrícola europeia e de revisão da PAC, que está a gerar muita contestação. De que forma estas mudanças europeias vão condicionar o investimento em regadio e a resiliência hídrica em Portugal?

Preocupa-nos muito a incerteza, que é sempre um problema na agricultura. Os agricultores funcionam com estes ciclos de sete anos, que passam num instante, e no final de cada período mudam as regras todas e dizem-nos ‘produzam mais’ ou ‘produzam menos’. Cada vez que se fala de uma reforma da PAC os agricultores estão sempre contra, por princípio.

Mas o que está em cima da mesa é muito mais profundo do que isso. Porque segundo o eurodeputado Nascimento Cabral, que está por dentro da negociação, nem o Parlamento, nem sequer o Conselho Europeu, têm uma visão clara da proposta da Comissão. Até houve uma reunião de vários países a votar contra a proposta.

Preocupa-nos que os fundos para o investimento na agricultura deixem de ser exclusivos e passem a ser partilhados com outros fundos estruturais. Não quer dizer que vão acabar, quer dizer é que vão mudar: deixarão de estar dentro do pacote da política agrícola e serão geridos juntamente com os outros fundos estruturais.

Pior que isso, é ser dada liberdade aos governos dos países para poderem financiar mais ou menos essas políticas. É um retrocesso muito grande, pois nas reformas anteriores discutia-se a maneira de distribuir o dinheiro para o investimento, mas este era garantido e distribuído por país. Neste momento, vive-se uma nacionalização da PAC e não temos dúvidas que os países com outra capacidade financeira podem criar desequilíbrios. Porque o agricultor português não pode competir com o agricultor espanhol ou com o agricultor francês. Estamos a falar de países que têm uma capacidade de financiamento que nós não teremos. E é isso que nos preocupa mais, esta desigualdade. Numa Europa em que, teoricamente, todos temos as mesmas condições para produzir, estas condições vão ser alteradas, independentemente de não haver a garantia de que os fundos sejam só para a agricultura.

Concretizando, sobre a proposta que está em cima da mesa, que impactos é que vê a nível do investimento em regadio e resiliência hídrica no país?

Neste momento, e tal como a proposta está, os impactos são gravíssimos. O dinheiro disponível da política agrícola para o tipo de investimentos que desejamos é zero. Obviamente que os fundos agrícolas para financiar a ‘Água de Une’ não são suficientes, também terão de haver outros tipos de fundos. Mas temos a garantia do ministro da Agricultura que para esta Estratégia Nacional não haverá problemas de financiamento, e estamos numa fase em que os constrangimentos que havia aos financiamentos externos estão ultrapassados. Portanto, neste momento estamos na espectativa, mas temos a esperança que se possa concretizar.

Observatório do regadio agrega informação dispersa

O Observatório do Regadio, lançado durante a XVI Jornada FENAREG, é uma plataforma online que dá acesso aos números oficiais da agricultura, congregando dados da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), do IFAP, da Direção Geral da Alimentação e Veterinária (DGAV), do Instituto Nacional de Estatística (INE), no que respeita ao licenciamento agrícola, e de várias associações de regantes.

Esta ferramenta interativa e de consulta fácil – alojada para já na home page do site da FENARAG – reúne informações como a área agregada por região e por núcleo, as culturas disponíveis, as mutações da água ou, como referido, os dados do licenciamento agrícola. A plataforma dirige-se não só aos agricultores, mas também às empresas que fazem estudos para saberem quais são as regiões mais especializadas em determinado tipo de culturas, e até mesmo à comunicação social que, através deste serviço, poderá perceber o que representa o regadio nas várias fileiras.

O Observatório do Regadio “é ainda uma plataforma simples, mas que pode evoluir”, e que já coloca a inteligência artificial a trabalhar os grandes números que existem sobre o regadio. “Alguns estão mais disponíveis que outros”, como explica José Núncio, mas o grande objetivo é agregar informação que até então estava “muito dispersa”, facilitando a sua leitura e interpretação. Nas palavras do presidente da FENAREG, “é uma pena termos de ser nós a avançar com este Observatório, porque o Estado já o devia ter feito”, mas temos agora uma fonte “fidedigna, que nos dá uma panorâmica importante ao caracterizar o que é o regadio nacional”.

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