Projeto europeu REDWine prova que o carbono da fermentação do vinho pode alimentar a produção de microalgas e gerar novos ingredientes para a indústria alimentar.
A fileira alimentar europeia ganha um novo caso de estudo em economia circular com a conclusão do projeto REDWine, que demonstrou, em escala piloto, que o CO2 libertado durante a fermentação do vinho tinto pode ser capturado e utilizado de forma eficiente no cultivo de microalgas de elevado valor. A iniciativa, instalada na Adega Cooperativa de Palmela e desenvolvida em parceria com a empresa portuguesa A4F Alga Fuel, confirma que fluxos residuais da produção vitivinícola podem ser transformados em novos recursos para a indústria alimentar.
Transformar um subproduto em ingrediente: do CO2 à Chlorella
O projeto implementou uma unidade de produção da microalga Chlorella, uma das espécies mais valorizadas pelas indústrias alimentar e nutracêutica, devido ao seu perfil nutricional equilibrado, elevada concentração de proteínas e pigmentos naturais. A utilização de CO2 biogénico, capturado diretamente das cubas de fermentação, permite substituir fontes industriais de carbono, conferindo ao processo um perfil ambiental superior.
Segundo Luís Costa, administrador da A4F Alga Fuel, o modelo representa uma simbiose agroindustrial pioneira: “utilizamos o dióxido de carbono gerado na fermentação do vinho para alimentar o cultivo de microalgas que, por sua vez, podem ser convertidas em bioestimulantes ou ingredientes. Criámos um circuito verdadeiramente circular”.
Reduzir consumo de água e reaproveitar efluentes
Para além da valorização do CO2, o REDWine abordou outra prioridade crítica para a indústria alimentar: a gestão sustentável da água. O sistema piloto utiliza os efluentes líquidos provenientes da lavagem das cubas de fermentação para alimentar o cultivo das microalgas, reduzindo simultaneamente a carga poluente e o consumo de água potável. Após o processo, a água pode ser reutilizada para outros fins operacionais, reforçando os princípios da produção mais limpa.
Potencial para novos ingredientes e para produção de CO2 alimentar
A prova de conceito abre portas a oportunidades diretas para o setor alimentar. A biomassa resultante pode ser processada para aplicações em:
• ingredientes funcionais e nutracêuticos,
• corantes naturais,
• suplementos proteicos,
• bioestimulantes agrícolas, que podem contribuir para práticas agrícolas mais sustentáveis usadas também no fornecimento de matérias-primas alimentares.
O projeto aponta ainda para um cenário inovador: a possibilidade de as adegas se tornarem produtoras de CO2 de qualidade alimentar, criando uma nova fonte de rendimento para um setor pressionado pela variação de custos e pela adaptação às alterações climáticas.
Como refere Miguel Cachão, coordenador do REDWine e técnico da AVIPE: “a tecnologia demonstra que uma adega pode produzir mais do que vinho - pode produzir também CO2 valorizável para a indústria alimentar e biomassa de algas com múltiplas aplicações”.
Uma plataforma replicável para PME e grandes produtores
O REDWine inclui análises de sustentabilidade e estudos económico-financeiros para aplicação em adegas de diferentes escalas. A unidade de Palmela funcionará agora como um living lab, permitindo a formação de técnicos e o interesse de investidores. Para a indústria alimentar, representa uma nova solução de aprovisionamento baseada em recursos biogénicos, rastreáveis e alinhados com os objetivos de neutralidade carbónica.
Apoio institucional e relevância para a adaptação climática
A inauguração da unidade piloto contou com o ministro da Agricultura e Mar, que sublinhou a importância de converter conhecimento científico em inovação aplicada: “precisamos de projetos como o REDWine para responder aos desafios das alterações climáticas e reforçar a sustentabilidade das cadeias alimentares”.
Também a presidente da Câmara Municipal de Palmela destacou o papel desta tecnologia na competitividade regional e no reforço da ligação entre agricultura, biotecnologia e indústria alimentar.
Um consórcio europeu ao serviço da bioeconomia
Coordenado pela AVIPE, o projeto reúne 12 parceiros de seis países, incluindo centros tecnológicos, empresas de biotecnologia, especialistas em filtração, entidades académicas e empresas da área alimentar - entre elas a francesa Algama Foods, reconhecida pelo desenvolvimento de ingredientes alimentares à base de microalgas.
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